Tivemos poucos anos para nos reinventarmos, afinal. E Meditation Park aponta que esta geração ainda vê o que era a “vida de sonho” de uma mulher que está comemorando bodas de ouro por agora. Meu Deus! É que pra nós é como um pesadelo onde nada acontece longe do “start” dado pelo marido – pelo ”homem” da casa – que se a gente jogasse água quente viraria canja, de tão galinha!
O que passa na cabeça dos homens? Ainda hoje: o que passa na cabeça dos homens? Que avanço, que evolução, que explicação ou justificativa nos faz entender por quê os homens amam mandar e por quê traem? E por que tantas gerações de mulheres aceitaram a traição como parte do casamento, assim sem combinação nenhuma, assim como um acordo tácito de mau gosto?
Os atores foram tão, tão, tão bons! Tão generosos uns com os outros, gerando espaço para a luz do outro brilhar – talvez a coisa mais oriental do filme tenha sido a forma de atuação...
O filme é parte do resgate de compreensão que temos que ter com as gerações passadas. Um momento onde o flash acende a mulher rompe com o que a prende. E nessas horas, os filhos precisam compreender, apoiar e ver como é difícil. Porque pra nós é muito mais fácil que as coisas permaneçam como estão e que a mamãe reclame mas nos receba para o almoço de sábado. Olhem, portanto, para o filme! E percebam que a dor do nada, da falta de sentido, da falta de estímulo, dói muito mais do que a dor de perdas reais.
Vale cada momento, este filme. Cada momento. E veja, tem muitos momentos parados, de silêncio horrível, onde nos perguntamos o que estávamos fazendo em casa quando isso aconteceu e não falamos. Se convivemos ou apenas estamos presentes, fisicamente.
As escolas deveriam passar o filme e perguntar sobre as avós, as bisavós. Porque um neto pode fazer a pergunta que faz um avô se envergonhar de sonhar com amantes, comendo à mesa com sua mulher. Os homens deveriam ver e se perguntarem que hipocrisia terrível faz um marido matar uma mulher. Que hipocrisia terrível faz os homens colecionarem mulheres.
Imperdível, uma DR íntima, SENSACIONAL. QUEM NÃO FOR, VAI PERDER, COM CERTEZA!
ANA RIBEIRO
Diretora de teatro, cinema e TV
Um filme que fala de famílias, de ser estrangeiro, de machismo como comportamento normal nos homens e nas relações, em traição feita sem culpa e sentida dolorosamente mas de boca calada. De mulheres que viveram vidas dedicadas aos maridos e filhos e nem um segundo dedicaram para elas. Que sempre engoliram, calaram, aguentaram. Essas eram as grandes qualidades atribuídas às mulheres. De filhos que enfrentam, com coragem e medo, as regras familiares para tentar tornar a família um lugar mais saudável e menos infeliz para todos. Os antepassados e a história das famílias precisa ser respeitada e guardada. Mas não deve ser um colete de forças na vida dos que chegam mais tarde. Deve ser uma patrimônio emocional inesquecível. Não um ritual que é proibido enfrentar, nem um castigo. A margem é mínima, mas vidas sofrem para sempre e nunca serão totalmente livres e com o seu caminho leve se errarmos a mão.
A solidão é cada vez mais profunda em todos nós. Ela é sentida e vivida no meio dos outros e com a companhia dos outros. As pessoas calam o que as magoa, mesmo com os filhos. Os filhos não falam tudo o que pensam para não magoar pessoas que amam e que sabem que estão presas às aprendizagens há muitos anos, como seus pais, tios e avós. Vivendo num país estrangeiro isso ainda fica mais difícil de lidar. Ser dona de casa, estar dependente em tudo do marido, não dominar a língua, desaprender de lidar com o mundo profissional e não entender como funciona o mundo desse outro país. Não ter saída. Não encontrar a saída. Mas, e se a saída é por onde não esperamos? É inusitada, bela e pura? Os desígnios da vida são sempre uma aprendizagem profunda e impactante.
Aprender que amar em família é aguentar e calar situações erradas e injustas, deve acabar. Precisa acabar. E quem sabe e faz de conta que não sabe, precisa mudar. É só não ter medo de seguir o que é mais saudável, justo e leve para todos. Para todos.
Tanta coisa poderia dizer, mas acho melhor verem o filme. E levar um lencinho se forem de manteiga como eu.
A cereja no topo do bolo? As excecionais atrizes Cheng Pei Pei e Sandra Oh. Mas todo o elenco é ma.ra.vi.lho.so.
Ana Santos, professora, jornalista