
Há filmes que quando a gente vê, são como gritos de sensibilidade. Desobediência é um deles. Não houve aqui nenhum medo de apontar, de perguntar coisas difíceis. Então, a tradição só serve como mais uma forma de aprisionamento?
Lá está a religião, como tradição. A israelita – cheia de dogmas, separações dos goes e preciosismos. E proibições. E como as religiões entendem de proibições. Se for contra as mulheres então, prato cheio. Nosso último modelo de absurdo chama-se Talibã, no Afeganistão. Ou também pode ser religião na política, estendendo proibições para todos os lados. Sonho de pastores brasileiros, líderes iranianos, talibãs.
E claro, no filme, há o poder e há o amor – que sinceramente, sente a força e a pressão do poder religioso de um rabino. Não um rabino qualquer, desconhecido, mas o pai de quem ama. E não pode amar porque é pecado que duas mulheres se amem. Não são lésbicas porque o amor verdadeiro não pensa em gênero, em siglas ou definições – elas apenas são mulheres que se apaixonaram e tiveram que se separar, o que significa que o amor não morreu nunca. Ficou ali dormindo, meio desmaiado, até que o rabino, o pai, morre – e naquele enterro, naquela despedida, o amor – nada sabendo sobre proibições - explode de novo.
Que filme lindo.
Não lindo porque são duas mulheres que se amam – lindo porque em todas as religiões deveria estar claro que o amor tudo transforma e por isso, para ele, não há proibições claras, limites definidos. Na Bíblia está escrito tudo o que precisamos saber sobre o amor e não ouvimos. Reposicionamos para tudo ficar passível de julgamento. Mas os julgamentos espirituais não pertencem à Deus?
Assim, cena a cena, o filme nos aproxima da extrema sinceridade de deixar, de adiar, de deixar ir, reconstruir, apesar das tradições e sobretudo, apesar das proibições.
Numa das cenas finais, na Sinagoga, atuações perfeitas, pequenas fisicamente, mas com enorme intensidade emocional. Toda a dor, todo o sofrimento do marido, lá está sem nenhuma violência física e talvez por isso o questionamento doa mais. Toda a intensidade do desejo reprimido lá está em cenas perfeitas, sensuais, sedutoras, explosivas. Cenas onde as mulheres se reconhecem como seres capazes de amar e explodir de amor por alguém. Cenas onde o amor é a resposta da vida, à vida.
Todos os casais – mesmo os que ainda não acharam sua metade na vida - deveriam vê-lo para perceber e valorizar o amor. Nele tudo faz sentido e proibições à sua existência são pequenas, mesquinhas e pouco condizentes com o que a religião nos ensinou e insistimos em não ver.
Um filme lindo, intenso, vivo, pulsante, com tomadas fortes, abertas. Um filme que não tem medo de falar de amor.
Imperdível.
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
Alguns vivem sua vida inteira seguindo seus desejos e sonhos em conformidade com as regras impostas, existentes, dos dias, da sociedade onde nasceram. Sortudos e abençoados.
Outros, ou outras, penam. Penam muito. Sempre perdem. Precisam escolher o que vão perder. Só escolhendo uma das partes – seus desejos e sonhos ou as regras impostas – podem sobreviver sem destruir a sua alma. Como se tivessem de decidir que parte de si aceitam perder para ter, pelo menos, algo na vida. Porque a sua natureza não coincide com as regras. Simples assim. Duro assim. Uns insistem em aguentar – pode correr muito mal. Outros retiram-se desse meio – a travessia também é dura.
Neste filme, Desobediência, essa a questão. Para uns o que é desobediência, para outros é a busca da felicidade, mesmo com sofrimento. As regras dos judeus são muitas, muito particulares e restritas. Asfixiantes para uns, confortáveis para outros. Junte-se o amor por pessoas do mesmo sexo. E se for um amor de uma vida entre mulheres num lugar onde as mulheres são “depois”, são “a mulher de...”. Um filme, um prato cheio de questões humanas, de questões existenciais, de razões para se pensar a vida seriamente. Eu diria que é um filme imperdível, mas venha com maturidade, sem travões, para entender o filme. Quem sabe, entender um pouco mais a vida. Sem isso, será um filme apenas interessante sobre regras e desobediência ou gente que se “lembra” de ser e viver “contra” a sociedade.
Um filme difícil, intenso, corajoso. Excelentes atores, já consagrados, que se entregam a um filme muito difícil e incómodo de fazer. Não é qualquer ator ou atriz que se entrega a uma história como estes 3 atores o fizeram. Sensacional o seu trabalho.
Curioso ver o trailer e ficar com a sensação que é um filme sobre pessoas que estão contra o sistema, as regras, pessoas que são desajustadas, blá, blá, blá... Depois de assistir ao filme vemos pessoas que pagam caro um amor verdadeiro e eterno. Vemos como as regras te protegem mas também te violentam. Vemos como corremos o risco de enlouquecer, de virar marginais, de virar infelizes por termos de recusar a nossa natureza, o nosso amor, o nosso desejo, os nossos sonhos, apenas para fazermos parte. Para sermos o “Rabino”, o “eleito”, o que conseguiu.
O filme, na minha opinião, acaba por ser mais generoso do que a vida. A vida é infelizmente e absurdamente muito mais rígida. A vida é muito mais absurda e cumpridora. Cumprir, cumprir, cumprir para fazer parte. Muito mais ainda se é com as mulheres, por causa das mulheres e com as regras do mundo para elas.
Veja este filme com carinho, com bondade. Vale a pena, acredite.
Ana Santos, professora, jornalista
Informações sobre o filme
Sinopse: Uma mulher retorna à sua comunidade judaica ortodoxa que a rejeitou por sua atração por uma amiga de infância. Uma vez de volta, suas paixões reacendem à medida que exploram os limites da fé e da sexualidade.
Diretor: Sebastián Lelio
Elenco: Rachel Weisz, Rachel McAdams, Alessandro Nivola.
Link IMDB com Trailer