Filme de faroeste brasileiro genuíno, com elenco misto – tanto a parte lusa, quanto a brasileira muito bem em cena, cores, filtros perfeitos. O roteiro faz uma ligação praticamente direta com quem viu Django Livre, de Tarantino – muuuuuito sangue. Muuuuuito mesmo! Tendo tantos litros de sangue reunidos, poderia ser um filme ruim, mas não – apenas, há tantas cenas violentas que você acaba ficando anestesiada diante delas.
O diretor optou por só colocar necessidades físicas das personagens, o que tornou o filme meio bárbaro. Colocou um lado primitivo, que não liga pra higiene, que não tem moral desenvolvida e, portanto, aceita qualquer serviço por pedras preciosas, se satisfaz com o que o dinheiro compra. Aponta para como é fácil se deixar corromper pelo dinheiro, o que é bom, embora não ofereça nenhum exemplo de quem não se deixa comprar por dinheiro, o que, para o Brasil, é péssimo.
Ao final, as pessoas devem perceber o ambiente de solidão absoluta e hostil, de desconfiança e agressividade, de violência e medo, de falta de escrúpulos e sangue frio – afinal, como ser um matador profissional sem tais traços? Mas, ao mesmo tempo, como ser criado por um matador, sem guardar um sentimento sem nome dentro de si? Um algo ou alguma coisa que poderia ser amor, se ele existisse por ali. E por fim, o clima da caatinga, o cangaço, a pobreza extrema, a exclusão e a exploração facilmente imagináveis no Brasil porque ainda fazem parte da nossa história.
Tudo isso está no filme, numa história bem contada, embora submersa em sangue. Será que eu tiraria um pouco? Será que não foi demais? Mas Tarantino sempre coloca muito e muito e demais e virou uma assinatura artística. Eu acho meio demais, mas a narrativa te prende.
Afinal, não é o que importa?
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro, TV
Percebemos imediatamente que é uma produção de qualidade. Bons atores, alguns até com experiências de sucesso em Hollywood. Cenário, figurino e paisagens que nos remetem imediatamente para o mundo do Sertão. Casas de paredes de barro (pau-a-pique), barro que estala com o calor e a seca. Barro e materiais que, com o tempo, podem provocar doenças graves de coração nas pessoas que dormem dentro dessas casas. Um mundo muito duro, seco, amargo e em que tudo é pouco. Água, comida, futuro e sonhos.
Filmes brasileiros sobre o Sertão onde a vegetação predominante é a Caatinga (exclusiva do Brasil), sempre me interessaram. Mostram características do país que quem só conhece o glamour, as praias, comida e festas do Brasil, nem sonha. Mas é esse em grande medida o país Brasil. Das pessoas que têm pouco, que vivem dificuldades e em que o futuro e os sonhos são luxos ou uma lotaria/loteria que poucos têm a sorte de alcançar. De onde surgem obras primas como “Grande Sertão – Veredas” de Guimarães Rosa, que aconselho vivamente a leitura. Obras literárias que só se entendem profundamente quando se esteve e sentiu um pouco do que é viver e sobreviver numa vegetação como a Caatinga.
Num mundo em mudanças extremas, eu diria que quem no futuro quiser conhecer o Brasil verdadeiro, precisa conhecer o Sertão com uma vegetação que só existe no Brasil – a Caatinga. Se vamos todos ter de mudar com tudo o que está acontecendo, quem conhecer a Caatinga, também mudará totalmente.
Por outro lado, o filme nos mostra também os poderosos das terras que dominam na “lei da bala”, dependendo muito dos matadores profissionais para resolver seus problemas. E nos mostra a mulher como objeto de uso sexual, de serviço doméstico, de exploração. Estes dois lados do filme, considerei um pouco exagerados. Me incomodaram. Muitos tiros, muitas mortes. Todos os problemas se resolviam com pistolas. E a mulher apenas com as possibilidades de fugir para o nada da caatinga...ou aguentar todo o tipo de exploração e tortura. Quero acreditar que o filme escolheu uma linha de faroeste violento junto com machismo e colonialismo. Mas quero acreditar que algo de bom como o amor, a amizade, a construção e o cuidado com as mulheres pudesse também existir. Porque o filme mostra a rudeza mas também o cuidado em ensinar os filhos para a sobrevivência. Poderia ter dado também um lado mais positivo da vida da mulher.
Ana Santos, professora, jornalista
Link na Netflix
https://www.netflix.com/br/title/80127990
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