Documentário “Libertárixs Ep 12 Território e Brasilidade Theodoro Sampaio e Rafael Sanzio” (2022)
Cada vez que assistimos a qualquer programa onde a questão discriminação e do racismo seja abordada, a sociedade ganha com isso. Principalmente nesse estranho momento adverso, onde skinheads carregam bandeiras de Israel, falam mal do Nordeste e acham negros e mestiços menores do que o Brasil. Tudo ao mesmo tempo. No caso específico do Brasil, esta é uma imagem estupidamente espetacular porque, se tirarmos os negros e os mestiços da nossa equação populacional, creio que sobram os estrangeiros, apenas.
Somos mestiços. Deveríamos ser orgulhosamente mestiços, mas estamos bem longe desse ponto ainda. Somos o sofrimento da escravatura, a perseguição de indígenas, a exploração de todo tipo de riqueza – inclusive o trabalho de crianças. Todas pobres, todas mestiças. Somos a soma de mil raças, mas através de três delas nos expressamos – ainda sem a altivez necessária para enfrentar o mal porque somos um País que sabe segregar e o faz com toda a maestria. Gostamos de humilhar e marcar diferenças.
Nesse sentido, LIBERTÁRIOS – THEODORO SAMPAIO E RAFAEL SANZIO DOS ANJOS, tem o mérito e o brilho de mostrar a história. De novo e de novo e quantas vezes sejam necessárias para que as escolas discutam a questão, a mostrem, expliquem o sentido de que uma maioria tão gigantesca tenha um espaço tão limitado no nosso País.
Rafael tem o brilho e o encantamento de sempre e do qual o Bug Latino também já usufruiu no programa Humano, um SER Racial (https://www.youtube.com/watch?v=iOUouepPPqs&t=549s) e 12x12 (https://www.youtube.com/watch?v=6bu6n6sq_nQ&t=91s), com links livres e o convite para o uso de todos. Rafael é puro brilho. É incrível como a expressividade faz parte dele. Carisma é tudo. Num discurso sempre potente, ele desconstrói argumentos discriminatórios e monta, remonta e reconstrói a potência de uma raça que está aqui, habita todos os lugares, mas que o Brasil, a nossa história, insiste em não valorizar a cultura, a obra, a arte, a engenharia, a agricultura e a engenhosidade. O Brasil ainda insiste em minimizar o legado e o papel de negros e indígenas. Sem eles, não somos nada. Vivemos atualmente o fragmento de Tabacaria, de Fernando Pessoa: “Não sou nada, nunca serei nada, não posso querer ser nada. Aparte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo...” A pequena porção rica e branca, ao nos desabitar de quem somos, fica com nada. Fica com o mesmo extrativismo da colonização. A exploração nos fez perder quase tudo, em tecnologia industrial.
Hoje.
Mas nos sobra o sonho.
Hoje.
Temos que conviver com o espinho de sermos a pobreza mental que ainda explora, mesmo depois de 200 anos de independência, 133 anos dessa abolição que respondeu com o contra golpe da República, a “heresia da libertação”. Ainda. Somos a “carteirada”. Ainda. Somos “você não sabe com quem está falando”. Ainda. E os portugueses já foram. Já partiram. Portanto, esse mal é nosso e o trazemos junto ao peito. Só nós podemos acabar com ele.
Portanto, quando você estiver na praia, querendo ficar “preto” em um dia, tenha orgulho de quem é porque se tivesse apenas sangue branco nas veias estaria na “sombrinha”, tentando não ficar tão vermelho assim. Somos orgulhosamente o resultado da dor que sofremos.
Cada produção, cada livro, cada Atlas tem a missão de carregar a bandeira da verdade por onde for. Mesmo que ela tenha dor, mesmo que tenha sangue, mesmo que tenha perdas humanas, hospitais abandonados, negros algemados de qualquer maneira na rua, como se ainda estivessem nos navios negreiros, mesmo com indígenas morrendo de peste e de fome, de fogo na mata e ataques de piratas selvagens. A bandeira da verdade precisa ferir a nossa própria vergonha para despertar a beleza de quem somos. Cada programa tem a mesma missão. LIBERTÁRIOS também.
Há um País inteiro para “re” construir. Da fantástica engenharia dos quilombos, a incrível exploração ecológica das florestas. Olhem ao redor. É só começar. É só entender. É só aceitar.
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
Documentário obrigatório. Tente não perder. Todos precisam saber quem foi Theodoro Sampaio e o legado que deixou. Alguém que poderia ter feito muito mais, mas o preconceito dos que se cruzaram com ele, travou demasiado o seu caminho. Foi muito prejudicado e sua família também. Mas o que os brasileiros preconceituosos e invejosos não entendem é que eles também se prejudicam, prejudicam seu país, o futuro de todos. Prejudicam um irmão. Os brasileiros de bem precisam insistir na equidade. Sempre. Não se pode continuar a deixar uns fazerem o que desejam e os outros terem seus caminhos travados a todo o momento. E aqui, no documentário, a cor da pele é o foco fundamental e está super certo. Mas as mulheres, a população LGBTQI+, as populações com comorbidades ou com deficiência, os estrangeiros – todas estas populações que são pobres, também não têm as mesmas oportunidades. E algum dia precisamos acordar.
Rafael Sanzio, outra força da natureza. Culto, inteligente, obstinado, com uma energia poderosa, com um currículo invejável e intocável. Os brasileiros precisam conhecê-lo, precisam entender o valor de uma pessoa com a visão de Rafael Sanzio. Um homem que devia ser um conselheiro de qualquer Governo do Brasil, que devia poder contribuir, com sua sabedoria, para um território mais equilibrado, justo, cuidado. Um baiano que devia ser mais acarinhado no seu estado. As organizações e instituições de Geografia do país, do estado, do mundo, deveriam ouvir o que ele tem a dizer, como ele pode ajudar a terra brasileira, os brasileiros, sejam eles quais forem e que cor tiverem. Sabe muito e devemos aprender com quem sabe tanto assim. Sabe muito gente e devemos ser capazes de o deixar melhorar o mundo. Porque ele já faz, mas pode ainda fazer tanto, tanto. E tudo o que ele deseja é que todos possam ter os seus direitos, que o seu país possa se organizar e ter um caminho coerente, bom e construtivo.
Se ainda não os convenci, pelo menos ouvir o Rafael Sanzio, o que ele tem a dizer, perceber como é um homem, um ser humano, daqueles que são capazes de mudar o mundo, é uma oportunidade única.
Quantos Rafael Sanzio, Theodoro Sampaio, existem e não conseguem, ainda hoje, ter oportunidades? Precisamos todos estar atentos, ser as portas que se abrem, ser a mão que acolhe, ser o olhar que se espanta, ser a boca que avisa onde estão, como podem avançar e abrir os braços e observar o seu voo. Porque eles merecem. Porque precisamos deles. Porque sem eles e sem o que eles podem fazer pelo mundo, somos menores, pequenos, incapazes.
Fico feliz que tenha existido apoio financeiro para um documentário assim, tão necessário. Era tão bom que estes apoios chegassem também a pequenas produtoras...
O texto, o ritmo, a musicalidade e a forma como é lido, transforma um documentário em mais um, ou num dos melhores do mundo. Narradores experientes e maduros fazem muita diferença na qualidade dos documentários.
Rafael Sanzio é um ser humano de um poder intelectual e emocional raro e de uma coragem inusuais. Ele sempre sobressai. É da natureza dele e impacta qualquer um que o ouça. Mas penso ser nosso dever, no audiovisual, saber filmar estas pessoas únicas. Saber dar-lhes o lugar delas, mostrá-las ao mundo na sua verdadeira essência. Não precisamos de grandes máquinas, mas de generosidade e de enorme gratidão. Eles são a luz.
Ana Santos, professora, jornalista
Sinopse: O legado e a resistência da população preta no Brasil.
“O episódio é uma verdadeira aula sobre dignidade e resiliência. São histórias únicas que refletem, com precisão e emoção, os desafios que se perpetuam em nossa sociedade dos afro-brasileiros.” Luiz Ugeda e Karine Sanches, 2022
Direção: Renato Barbieri e Juliana Borges
06/02/2022
Domingo, 22 horas
TV Cultura