O DOC é um depoimento em 4 episódios de Nair Benedicto diante de sua captura, aprisionamento, tortura e livramento pelo DOPS, no Brasil – não à toa um filme necessário de se ler nesse estranho e triste momento em que vivemos para entender a falta absoluta de senso crítico e a negação da realidade ao redor dos bolsonaristas.
Uma de suas primeiras falas, já merecia premiação pela capacidade de síntese: “O Brasil,
através do uso da lei, legitima e acoberta ações ilegais”. Isso, que era assim lá no final da década de 1960, quando a polícia, usando o distintivo, acobertava o esquadrão da morte, permanece igual com a polícia que acoberta as milícias, enquanto elas ameaçam e até matam quem não lhes “compra os serviços”.
É muito importante nos olharmos no espelho nesse momento e Nair pode nos ajudar a fazê-lo;
como uma universitária que deseja e contribui para diminuir desigualdades sociais, agregando amigos que a visitavam em casa, tudo em família, pode se ver presa e torturada? Exatamente assim: você dorme universitária e no fim daquele dia já é chamada de terrorista - digna de tortura no pau de arara. Como a polícia, as forças armadas, o poder e a ultra direita criam bodes expiatórios pra espalharem o medo e ninguém percebe que essa doença faz parte de nós, está entre nós?
O filme tem a beleza simples da verdade. Nenhum floreado. E também uma suavidade que
nos conduz quase que a descrença – afinal, como Nair não estava aos gritos, berrando por justiça, o filme inteiro? Aí você vê que saem explosões de dor de seus olhos, nas poucas vezes em que ela tira os óculos escuros e percebe que eles muito viram e que o mundo já se mostrou diante deles com toda a sua estupidez. Isso faz com haja uma serenidade na sua fala, uma coisa atroz e perceptível que nos perpassa enquanto espectadores.
EU, CONTA-DOR DE MIM “dosa” o que você recebe e isso faz que possamos valorizar cada detalhe.
Assim é com a trilha - perfeita - quando aparece, a bebemos sofregamente. A edição e os cenários são absolutamente minimalistas. É como uma cela; entramos no filme e, pouco a pouco, nos despimos de tudo o que é desnecessário para valorizar o viver e o conviver em si.
Vale cada instante. Ao nos lembrarmos de Stuart Angel, de Marighela, dos inúmeros torturados, ao nos lembrarmos da descrição das incontáveis formas de tortura, dos bandidos que ocupavam as delegacias e a caserna, fica a pergunta: o que vemos hoje – a seita bolsonarista “rezando” sua ausência absoluta de amor ao Brasil, sabe mesmo o que foi a ditadura? Ou falar, bradar, gritar “comunista” pra tudo o que é vermelho basta? Talvez só tenhamos como arma a história, o conhecimento e a experiência do que vivemos – e do que nunca mais queremos viver.
Na parte final, aquilo que nenhum roteirista colocaria no destino de Fabio Lessa por achar que o público iria achar um lugar comum de vingança – mas que aconteceu. Há sempre uma sucessão de fatos na nossa vida que garantem que há o destino e há livre arbítrio. Assim, separados. Com muitas decisões e consequências diferentes, uma para cada vida.
Assistam, compartilhem, conversem, não ignorem o assunto. Todos podem assistir, está disponível no YouTube. O Brasil não merece, não deve e não pode repetir o que vivemos.
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
Documentário obrigatório. Obrigatório para todas as pessoas. Pensar que existem pessoas capazes de fazer o que fizeram na ditadura militar no Brasil, nas ditaduras de outros países, em guerras como a invasão da Ucrânia pela Rússia, na ex-jugoslávia/ex-iuguslávia, etc, etc, etc, arrepia, choca, preocupa e nos alerta em relação ao futuro. Não se pode viver distraída, nem inocentemente com seres humanos destes à solta, misturados no meio de seres humanos, humanos. Assistir ao surgimento exponencial de milhões de pessoas no mundo que desejam a volta das ditaduras, com pensamentos de extrema direita, que maltratam e/ou matam vidas humanas como quem pisca os olhos, que nada sentem pelo sofrimento humano e, ao mesmo tempo assistir a este depoimento, nos deixa perplexas e questionando o que viemos todos fazer ao planeta. Viemos para batalhas em que uns destroem e outros constroem? Destruir a nossa espécie? Massacrar, maltratar, destruir? Onde anda a nossa generosidade, nobreza, gentileza? Estamos tão envenenados emocionalmente, tão intoxicados de invejas e ódios. Que tristeza de espécie a gente é, a gente se tornou, ou sempre foi.
Um depoimento corajoso, importantíssimo. A fotógrafa brasileira Nair Benedicto, narra o que sucedeu antes de ser presa, as torturas que viveu na ditadura, os tempos que passou na prisão, as colegas de jornada, a sua nova liberdade e as surpresas que a vida ainda lhe reservava. Como ela diz, é bom as pessoas terem noção do que querem, do que estão a pedir e saberem em pormenor o que as espera, quando dizem com tanta vontade e alegria que querem a volta da ditadura.
Ouvir Nair Benedicto explicar em pormenor a tortura do “pau de arara” é arrepiante. A tortura física, a tortura mental, emocional, a hipocrisia, a mentira com cara e pose de “verdade”.
Nair tem um comentário muito interessante quando lhe perguntam se tem medo das consequências deste documentário nos tempos atuais: “Ter medo é parte da vida, eu tenho medo mas não o uso. Apesar do medo ser uma constante na vida de todos nós, nunca deixei de fazer nada que fosse importante e necessário, visando construir coletivamente um mundo melhor para todos.”
Fico feliz por aconselhar este documentário às pessoas em Portugal, pois poucas têm conhecimento do nível de horror que foi a ditadura militar no Brasil e nem todas entendem o que se viveu nestes últimos 4 anos por aqui, o milagre que foi a vitória de Lula da Silva nestas eleições e a alegria que é pensar no Brasil do futuro.
Totalmente obrigatório. Os links estão abaixo. Nair teve a enorme gentileza de os colocar disponíveis.
Ana Santos, professora, jornalista
Sinopse: Depoimento de Nair Benedicto, dividido em quatro Episódios, é um relato pungente de uma mulher que viveu os horrores da ditadura civil militar, e que ao sair da prisão lutou contra a opressão do regime e pela construção de organizações populares de resistência. Tornou-se uma das importantes fotógrafas brasileiras.
Roteiro: Nair Benedicto e Sônia Fardin;
Câmera e Som: Frederic Breyton e Miguel Breyton;
Montagem: Danielle Breyton, Nair Benedicto, Frederic Breyton e Miguel Breyton;
Finalização: Frederic Breyton
Eu conta-dor de mim I - Depoimento de Nair Benedicto https://www.youtube.com/watch?v=oe8dl3QdXXI
Eu conta-dor de mim II - Depoimento de Nair Benedicto https://www.youtube.com/watch?v=aieSd5oYOIg
Eu conta-dor de mim III - Depoimento de Nair Benedicto https://www.youtube.com/watch?v=7nBScnYWQTc
Eu conta-dor de mim IV - Depoimento de Nair Benedicto
https://www.youtube.com/watch?v=fxBok6eErSI