
Estamos contribuindo para reapresentar Portugal ao Brasil – sinceramente, a ideia que fazemos, que mantemos do Portugal antigo e a evolução da arte, da cultura, da ciência, não se parecem mais com o dono da padaria. O DOC da SIC “Barreira da Cor” aborda a questão racial por lá de uma maneira objetiva e talvez bastante mais pragmática do que aqui – embora a saída seja sempre a mesma: maneiras de incluir, incluir, incluir.
O fato de que, historicamente, se tenha criado uma forma onde os negros podem “pertencer” se forem do grupo “invisível” é cada vez mais insuportável. Se por acaso ficam visíveis, são de alguma forma “embranquecidos” socialmente – o que nos leva a um fato bastante comum aqui e no mundo – a aporofobia – o ódio ao pobre, à pobreza em si.
O DOC, embora não fale disso, descreve exatamente isso – bairros piores, condições piores, escolas piores, professores piores, postos de saúde piores - ou inexistentes. A forma de abordagem, porém, tem um olhar pragmático e racional – o que me pressionou a criar cada vez mais saídas da “zona de conforto da nossa aceitação” – porque é pouco. Talvez aqui no Brasil a gente esteja vendo telejornais demais com mortos, feridos e presos, quase todos pretos – como fala Caetano Veloso, em Haiti. Os bairros de periferia parecem não ter nada que seja interessante ou bonito, nada assim está no nosso conceito de periferia – já foi apagado enquanto imagem.
Ver então um DOC português que fala do assunto de outra forma, refresca conceitos, renova buscas e compromissos humanos. Uma produção caprichada, bem editada e trilhada, com conceitos muito bem definidos, mesmo quando indefinidos, mesmo quando discordamos da forma como foram definidos.
O mais terrível é que a realidade do Brasil é terrivelmente pior – somos mais pobres, mais abandonados, com menos infraestrutura e muito, muito mais gente que não é alcançada por nenhuma política assistencial, educacional e de saúde.
“Barreira da Cor” martela teclas muito conhecidas nossas – e chega de alguém “olhar para o lado”, fingir que não vê. Temos que ver. E falar. E incluir. Não existe um “nós e eles” e mais que uma maneira de dizer – preto, negro, de cor, moreno – precisamos de um espaço onde todos caibamos. Este contrassenso humano precisa acabar.
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
O Bug aconselha vivamente que assistam a este documentário. Novamente um dos temas mais urgentes da sociedade. As pessoas entrevistadas são sensacionais. Cada uma apresenta uma peça de um terrível e injusto puzzle que necessita ser desmontado e arrumado na caixinha, no sótão das nossa cabeças, para sempre. Assista, envie para os seus amigos assistirem. Aproveite para conversar e para ajudar a encontrar respostas assertivas e concretas.
Seria tão importante que os canais de televisão da Bahia fizessem documentários destes. Como é possível que nunca tenham feito? Fáceis e baratos de fazer. Com discreta abordagem sociológica, psicológica, educacional, humana, sem serem aborrecidos, nem morosos, nem conflituosos. Com saídas, com respostas, com estímulos práticos para as pessoas que assistem e que sozinhas não sabem como ajudar ou se ajudar. Sem falsas moralidades. Apenas tentando mostrar como é o problema atualmente e como é possível resolver, com as ferramentas que a sociedade possui.
É muito triste e preocupante, assistir à degradação da educação no mundo, num momento da história em que ela – a educação – é tão determinante para o futuro de todos. A educação é a solução para quase todos os problemas do mundo e continuamos a desprezá-la. Continuamos a fazer dela uma questão de despesa dos países. Educação não é despesa, é investimento. Como nos tornamos tão cegos?
Com as populações se misturando cada vez mais, o que era interessante para o turista visitar, estranho e engraçado na TV, são culturas e formas de vida muito diferentes, no nosso vizinho, professor, médico, colega de escola e que precisamos aprender a respeitar. O mundo se tornou uma mistura e precisamos ter a visão da mistura que ajuda, que facilita e que é mais rica para todos e negar a todo o momento a visão de que a mistura não é boa. Isso pode ser feito por todos nós - apenas precisamos de aceitar mudar a nossa forma de olhar as coisas. A sensação desanimadora do primeiro instante de algo que nos foi ensinado como menos bom irá sempre acontecer. Mas depois desse instante inicial, e mesmo com essa automatização do que aprendemos em sociedade, podemos optar por ter um comportamento positivo, agregador, humano. Gostamos tanto que façam isso conosco, porque não tentamos fazer o mesmo com os outros?
Se pensarmos o mundo como um barco com 5 quartos, onde cada quarto é um continente, percebemos que precisamos igualar a educação, as condições de vida, a saúde de todos, para que todos possamos continuar a “viajar” com boas condições. Não adianta o quarto mais desenvolvido ficar apenas satisfeito com a sua prestação e recriminar os que não cumprem, porque vai afundar junto com todos. Não adianta um dos quartos maiores achar que é superior só porque tem mais terreno, mais riqueza ou boas relações com os mais influentes e poderosos do barco. Basta um fazer alguma “porcaria” para o barco afundar para todos.
As instituições precisam contribuir para que as pessoas mantenham a capacidade de ter sua própria opinião, baseada em informação verdadeira e atualizada, possuam pensamento crítico mas respeitador, preservem a sua capacidade de argumentação sem agressividade, sejam capazes de se defender e de se proteger. Saibam detectar situações e pessoas tóxicas e saibam desviar-se discretamente. Saibam encontrar outros caminhos para a sua vida quando lhes barram o caminho que fazem. Isso é o mínimo para cada um construir uma estrutura poderosa para ter um caminho de luta por uma vida de escolhas e de bem estar. Nunca desista.
Ana Santos, professora, jornalista
Link do Documentário
https://sicnoticias.pt/programas/visiveis/2019-06-13-Barreira-da-Cor