“CHICÃO, NÓS SABEMOS QUE NUNCA FOI MI MI MI!” e “Ouça as Primaveras” Bug Sociedade
- portalbuglatino
- 16 de set.
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“CHICÃO, NÓS SABEMOS QUE NUNCA FOI MI MI MI!” Bug Sociedade
Ver o fim do mais importante julgamento da história do Brasil foi como a entrega e depois defesa do meu mestrado – muito pensar, pouco dormir; muito sofrer e depois muito sorrir. E não venha dizer que eu sou de direita ou esquerda porque já enjoei dessa conversa chata – sou brasileira e o assunto do julgamento me interessava – e interessa ainda! Não sei se você pegou os livros de história pra olhar, mas da Proclamação da República até o dia 11 de setembro de 2025 – eu contei – foram 15 golpes e/ou tentativas de golpe por aqui. De 1889 até 2025. São só 136 anos, com 15 golpes ou tentativas de golpes. Para cada um desses momentos, morreram pessoas. Pessoas foram torturadas, presas, expulsas do Brasil. Nossas melhores cabeças foram expulsas, mortas, presas, torturadas – não vá dizer agora que você acha o Nikolas mais brilhante que o Chico Buarque! Quem ficou aqui mandava letras, músicas para quem foi deportado completar – como para dizer que a democracia não estava divorciada de nós, que nada seria para sempre. Mas sempre aparecia alguém com a conversinha mole de que o Brasil deveria perdoar, esquecer. E aquele militar que deveria ter ido preso, voltava na tentativa de golpe seguinte. Como uma praga maldita. A gente perdoava, esquecia, tocava a vida. E olha eles de volta!
Pois nos cansamos. É como casamento com homem violento. Não adianta perdoar, se é pra apanhar de novo, levar facada de novo. Morrer não – porque morrer é só uma vez e daí não tem mais jeito!
Houve um dia 11/09 terrível – o dos Estados Unidos. Com essas coincidências que têm nos aguçado a curiosidade, tivemos também o nosso 11/09 – ah, mas o nosso foi um dos melhores dias da minha vida! Eu olhava aquele ex-presidente abjeto, totalmente acovardado e lembrava dele ofendendo mulheres, sendo baixo e indelicado com os LGBTs, menosprezando a dor dos centenas de milhares que morreram com COVID, no Brasil, enquanto planejava um golpe de estado. Onde foi parar aquela conversa “Com meu passado de atleta eu, com COVID, teria sintomas apenas de uma gripezinha? Um resfriadinho”? Onde foi parar o “deixem de MI MI MI”? Onde foi parar o asqueroso “jogo dentro das quatro linhas”, enquanto planejava matar Lula, Alckmin e Xandão?
Aí eu vi na internet uma moça na janela, gritando:
- Chicão, essa foi pra você! Nunca foi mi mi mi, Chicão! Pai, essa foi pra você!
O Procurador Geral da República está nos devendo o processo referente ao morticínio que foi cometido aqui no Brasil, na pandemia. Precisamos reaver, falar, desabafar sobre o tormento dos nossos mortos. Todos perdemos alguém e isso não pode simplesmente ser enterrado, descartado historicamente, como por 15 vezes aconteceu com os golpes e tentativas de golpes de estado. Não pode ser confundido com o ex-presidente rindo e imitando um paciente sufocado pela COVID. Simplesmente, não pode ficar assim. De novo: não é uma questão de ser de direita ou esquerda. Apenas, historicamente, não pode ser assim. É insuportável pra todos nós se tivermos que deixar nossos cadáveres insepultos na história.
Dia 11 de setembro passado, algo grande aconteceu. Mas não foi suficiente para milhares de pessoas que ficaram aqui com a perda, sinto muito. Talvez alguns milhões de familiares solitários, crianças órfãs que viram seus pais arfando, morrendo e o ex-presidente rindo. Há ainda o que resolver entre nós e ele. Porque o Chicão morreu e deixou uma filha berrando pela janela – lúcida, em dor profunda, num luto sem fim porque há almas que precisam se ressincronizar, porque há pessoas que não precisavam morrer. Que acreditaram que poderiam adoecer tomando vacina. Que tomaram remédios errados, como numa experiência malfadada. Sinto, eu não esqueço isso. Quero uma resposta que possa ser dada aos familiares, à filha do Chicão, aos mortos, aos espíritos dos mortos.
- Chicão, nós sabemos que não foi mi mi mi.
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
“Ouça as Primaveras” Bug Sociedade
Do lugar de onde venho primavera significa que finalmente vem o calor, o sol, os dias bonitos, a possibilidade de ir para a rua passear, estar, pastar, ler, “piquenicar”. Tudo em busca do sol. É quando as árvores começam a florir. É quando vemos os danos que o inverno fez. É quando começamos a sorrir mais, é quando o mundo e a vida parecem leves.
Alguns povos dizem que temos primaveras, em vez de dizerem que temos 59 anos de idade. 59 vezes vi as árvores florirem, 59 vezes achei que a vida ia ficar assim, quando estava boa, 59 vezes me desesperei quando a vida estava mal. 59 passagens de ano, natais, páscoas, dia do pai, dia da mãe, aniversário. 59 vezes tentando acertar as agulhas e a bússola do caminho. 59 vezes iniciar o ciclo das 4 estações. 59 vezes achando que tudo se repete, tudo fica na mesma, tudo estará ali para sempre. Achando que a vida é apenas repetição do mesmo. Umas vezes mais completa, outras vezes mais incompleta, umas vezes adoentada, outras vezes animada. Vamos ficando distraídos, descuidados, desvalorizando os momentos, cansados de “repetir”. “Lá vem aquela festa de novo”, “Lá vou ter de ir de novo fazer a inspeção do carro”, “Lá vou ter de aturar outro professor que não me deixa em paz”, etc, etc, etc.
Sou do mundo da atividade física, onde aprendemos que é pela repetição que se aprende, que é pela repetição que vamos tentando, errando, até acertar. Que também é pela repetição que mantemos o que “acertamos”. Aos poucos vamos percebendo que isso é apenas parte da história. Não é casando 59 vezes que aprendo a estar num casamento, nem com 60 anos encontro a solução para evitar o que me faz sofrer. No entanto, passamos um número muito elevado de primaveras fugindo do que dói, do que não gostamos, do que não queremos, e muito preocupados a escolher a pessoa certa para passar a vida inteira – como se estivéssemos no mercado escolhendo fruta, provando e abandonando ao menor sinal de amargor. A adolescência, em quase todos os casos, é desperdiçada nessa busca, nessa escolha, até nessa competição de “quem é o/a felizardo/a que fica com o/a melhor partido. Precisamos de passar umas primaveras para entender que isso acontece naturalmente, sem pressões nem competições. Vamos aprendendo que a vida é quem diz, a vida é quem dá as respostas, a vida é que sabe quando tira e quando dá. E vamos aprendendo a aceitar isso em paz.
Você pode “provar” um fruto porque todos te dizem que é o melhor fruto para ti e até evitar o fruto que te avisam que não é bom para ti, mas se o teu desejo, o teu instinto, o teu coração, teus passos te levam para ali, vais escolher o fruto que todos querem que escolhas? Ou vais aprender a ouvir-te? A vida vai ficar insistindo até a ouvires.
Não adianta a população do mundo inteiro não querer que você fique com “aquele fruto”, aquela pessoa. Se é com ela que a vida diz que é, é com ela que você vai ficar e ser feliz.
Se o universo junta num final de semana, no mesmo lugar, uma pessoa de um canto do mundo e outra pessoa de outro canto do mundo, não adianta a população mundial não querer. Pode demorar 15 anos, por vezes mais, mas chega uma hora que o universo vai lá e volta a dizer como é para fazer. E essas pessoas voltam a se encontrar. E a população insiste em tentar impedir – por vezes basta uma pessoa convencendo a população mundial de que elas não podem estar juntas. Não dar o contato telefônico, nem o e-mail, omitir informações, falsear informações, o que quiserem imaginar, pode ser feito. Recusas para participar em fotografias de família, recusas em ajudar quando você está doente, esquecimento de convite para reuniões habituais, até esquecimento de que você vive na casa do lado. Tudo é possível na terra dos que acham que decidem sobre a vida dos outros.
Penso em Cristiano Ronaldo do futebol, penso em Chris Martin dos Coldplay, penso em Denis Schroeder do basquetebol, penso em Shakira da música, penso em Angelina Jolie do cinema, penso em tantas pessoas menos conhecidas que se cruzaram comigo e em quem vi que ouviram a vida, seguiram o seu caminho mesmo ouvindo as críticas, os dedos apontados, o desprezo. Seguiram sempre em busca do que desejavam. Cristiano Ronaldo aprendeu tudo, até a falar melhor que muitos que se consideram intelectuais. E ainda não vimos metade do que vai fazer. Chris Martin não sabe ler música, mas compõe com o coração e com sua alegria genuína. Denis Schroeder, pobre, negro vivendo na Alemanha, e aparentemente numa família sem saída, tem uma coragem e determinação invejáveis. Depois de ter sido vendido várias vezes no ano anterior, foi campeão da Europa e o melhor jogador do Europeu de Basquetebol que terminou este domingo.
Penso em Bolsonaro e vejo alguém que não ouve a vida, tamanha é a atenção a tudo o que está ligado a valores materiais e doentios da alma. Para que servem as primaveras em pessoas assim? Elas não aprendem a ouvir, elas consideram-se mais do que a vida, e com imensa gente em volta aplaudindo, menos ouvem. Educam os filhos de igual forma, educam os seguidores de igual forma, educam os que necessitam de pertencer a algo de igual forma. Será que pensam que são superiores à vida, ao universo?
Vem a justiça e lhe dá uma pena de 27 anos de prisão. O que normalmente alguém faria? Aprender com a situação, se tornar melhor pessoa. O que fazem pessoas assim? Negam e vão negar a vida inteira. É mais importante o que mostram na vitrine, o que os outros vão pensar, inundados de viés cognitivos, e insistem em não aprender, em não avançar na aprendizagem.
Na sexagésima vez que vivo uma primavera, quero acreditar que aprendi, e quero aprender mais. Ouço todos, mas naquilo que é fundo em mim, não ouço ninguém. “Ah mas assim não tem o que eu tenho”. É verdade! “Mas não quero o que você tem, quero o que é para ser meu.”
Durante muitas décadas via meus pais fazendo coisas simples e ficando felizes por isso. Como os entendo bem! Um mergulho no mar, um macarrão com ovo, uma fatia de bolo, um dia de trabalho. Um dia maravilhoso. Mas acima de tudo o principal é respirar, andar, pensar e sorrir.
Ouça o que o universo lhe quer dizer, ouça o que sua casa lhe quer dizer, ouça o que seu corpo lhe quer dizer. Deixe de perder tempo seguindo e ouvindo pessoas que apenas querem o bem delas.
Existe viver sem corrupção, existe viver sem precisar de ser criminoso, existe viver sem intrigas, mentiras, invejas e maldade.
Ana Santos, professora, jornalista
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