“HAJA DESCULPA ESFARRAPADA!” e “Bolsonaro, o exemplo para as crianças” Bug Sociedade
- portalbuglatino
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“HAJA DESCULPA ESFARRAPADA!” Bug Sociedade
Talvez o mundo esteja mesmo muito diferente. Quando criança, se eu contasse uma história e depois começasse a mudá-la loucamente, minha mãe já me olharia com cara de “fala a verdade que é melhor”. Atualmente, as pessoas “trocam de versão”, “inventam narrativas” e tudo bem – o “respeitável público” continua acreditando – na verdade, nem pisca.
Bolsonaro está cumprindo prisão preventiva – foi pro xadrez da Policia Federal. O motivo foi inusual, como tudo o que esse cara inventou: tentou “derreter” a tornozeleira. Mas isso ele falou depois que a policial viu o “estado em que ficou a coisa” no tornozelo dele. Primeiro disse que “tropeçou no degrau da escada”. Perceba que um objeto de rastreamento teria que ser absolutamente “vagabundo” pra ficar naquele estado lastimável por causa de um tropeção – nem que ele rolasse a escada e depois subisse rastejando pelos degraus, seria impossível o raio da tornozeleira ficar destruída como estava. Me vem direitinho à mente o “olhar 43” com que minha mãe me fulminaria, depois de uma mentira sem vergonha dessas.
Mas tem mais: Quando flagrado pela policial que foi à sua casa depois que o “alarme” (seria alarme?) da tornozeleira tocou, o Bolsonaro, fez a mesma voz que usou no depoimento que deu ao Ministro Xandão – uma em que ele imita o “cachorrinho que quebrou o pote e foi visto pelo dono com a boca na botija” e – claro – mudou sua primeira versão. Disse então que tinha tentado derreter a tornozeleira por “curiosidade”. Veja bem: Você recebe uma medida cautelar da justiça. Já ficou claro que a lei está de olho em tudo o que faz, sendo que a primeira proibição da sua lista é: “Não estrague o aparelho que te monitora”. Depois desse tipo de proibição judicial, você fica “curioso como as crianças que enfiam o dedo no buraco da tomada, pega um ferro de soldar, liga e pensa: Será que derrete?”.
O advogado dele passou por alheio à realidade, enquanto os jornalistas davam a pista de que havia um vídeo, havia um vídeo! Mas depois que ele a assistiu, a terceira versão apareceu: Bolsonaro em surto “ouviu a tornozeleira falar com ele, a provocá-lo, verdadeiramente a incitá-lo. E foi por isso – e nada além disso - que ele pegou o ferro de soldar e resolveu obedecer-lhe”.
Sentiram os olhos das suas mães fixamente nos “congelando”? A sensação vai piorar. Pensem a elasticidade de um homem de 70 anos – eu tenho 65 e sei muito bem como é. Agora imaginem a tornozeleira derretida, como a vimos em todos os jornais. Estava derretida pelo lado de cima e o de baixo, certo? A minha pergunta de 1 milhão de BRICS é: ele teve habilidade de passar o ferro de soldar pelos dois lados, sem se queimar nem um pouquinho, com aquele alinhamento de furadas quentes, com qual elasticidade física? Tudo bem que ele tem “físico de atleta”, mas de atleta a contorcionista...
No mundo que em que eu cresci, seria castigo na certa – por isso não me espantou nada ele ter sido preso em seguida. Nesse mundo cheio de Inteligências Artificiais, as pessoas veem a mesma coisa que eu vi, mas inferem outras coisas, opinam se o Ministro Xandão está certo ou errado, aparecem comentaristas, protestos, rezas, discursos, contraprovas. Ele fez isso tudo e confessou: se fosse dentro da sua casa, você visse, flagrasse, alguém te mostrasse o estado miserável em que ficou a tornozeleira quebrada e desse essas desculpas esfarrapadas todas, o que você faria?
Pois é. O Xandão também.
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro, TV
“Bolsonaro, o exemplo para as crianças” Bug Sociedade
Eu podia falar nas situações que todos tivemos em criança, em que fizemos algo errado e de imediato sentimos o efeito desse erro.
Podia falar nas situações que sucedem nas nossas vidas adultas, em que erramos e sentimos de imediato as consequências desse erro. Todos temos tantas situações pela vida fora, mas tantas!!! E a justiça, nossos chefes, as nossas entidades empregadoras, seja lá quem for, não têm escrúpulos, não vacilam. Dizem sempre que é assim, que já sabíamos com que contávamos. Quem não conhece a história do mendigo que rouba uma maçã e a sociedade só sossega quando ele é preso? Quantas pessoas são demitidas porque erraram uma vez? Quantas pessoas sabem que não podem vacilar na sua competência porque se vacilarem por um segundo, perdem o cargo, o emprego, a segurança, o futuro? São presas? E quantas perdem tudo isso porque o seu país começou uma guerra? Ou foi invadido por outro país? Ou simplesmente não aceitam a sua religião ou forma de vida? Eu podia ficar dias a falar das milhões e milhões de situações que acontecem a todo o momento e que nos mudam a vida por completo. E só nos resta aceitar e seguir.
Aí, vem um cara que desde que sua vida é pública, comete irregularidades, crimes, ilegalidades – não sabemos o que pode ter feito enquanto não tinha vida pública. Um cara que trata mal toda a gente que não concorda com ele – talvez trate mal também os que o admiram, mas não sabemos. Um cara que representou um dos países maiores do mundo, mais ricos do mundo, mais extraordinários do mundo e em situações de sufoco no país, estava de férias, pescando, passeando na sua moto de água. Um cara que está acumulando penas elevadas mesmo tendo equipes de advogados em busca de escapar, de formas de provar que é inocente. Inocente de situações que ele próprio criou, se vangloriou, prestou provas públicas contra si mesmo. Caso raro. Agora, para o nível da conversa ficar mesmo vazio (digo vazio para não dizer reles), diz com a maior naturalidade que estava curioso e surtado devido a medicamentos, por isso tentou cortar a meio a tornozeleira eletrônica, derretendo-a com um ferro de soldar. Um ex-presidente parecendo um menino de rua, daqueles meninos sem família, sem amparo, que aprendem a mentir, a sobreviver, a fazer maldade para se dar bem. Que situação... Diz que tem histórico de atleta, por isso, gostava que explicasse como fez aquilo sem ajuda, como ele conseguiu se contorcer, se dobrar sobre a barriga e como conseguiu deixar a tornozeleira naquele estado, sem queimar a perna. Tudo isso foi ele que fez, né? Eu dava material igual e pedia para repetir a “curiosidade”. Ia ser interessante de assistir. As frases que começam por “não pode fazer...”, fazem parte da nossa vida, mas não na vida desta pessoa, família, amigos e seguidores. É impressionante. Por exemplo, não pode ter celular perto, mas no dia da tornozeleira que derreteu ao bater na escada ou afinal foi curiosidade, poucas horas antes teve a visita do controverso Nicolas, que por mero acaso estava com celular na mão, fazendo algo com esse mesmo celular. Percebem? Uns não podem, por isso nunca podem. Outros não podem, mas afinal podem, porque nunca obedeceram a regras, a leis, essas leis e regras existem para serem, digamos, contornadas, aproveitadas a seu favor.
Quando soube que tinha sido preso, pensei de imediato nas 700 mil pessoas que morreram, nas suas famílias, nos vizinhos e amigos que morreram. Poderia ter sido tudo tão diferente, bastaria termos tido uma pessoa humana na presidência. Alguém “exemplo”, alguém que estimulasse e estimule as pessoas, principalmente as crianças a serem melhores, não a serem “espertas”.
Um cara que claramente cumpre todos os requisitos do viés cognitivo ou falácia lógica conhecido como duplo padrão ou erro de atribuição, onde “falhas alheias são julgadas de forma severa, mas as próprias falhas são justificadas ou vistas com maior indulgência” (definição retirada da IA do Google).
É um mundo que se diz igual para todos, mas que nunca o será. E isso te deixa escolhas importantes para fazer: vais ter o perfil do cara e de tantos outros caras que ultrapassam todas as regras e ainda ficam se lamentando? Te ris e ficas bem com isso? Ou decides tentar ser alguém digno? Alguém que seja um bom exemplo para as crianças? As crianças aprendem com os adultos, quanto mais alto o cargo mais impacto tem o que fazes e dizes. Que exemplo queres ser? De que lado estás? Mesmo que escolhas o lado “bom”, cuidado que o caminho é escorregadio e a todo o instante podes ter indicação de desvio. A todo o instante. E te informam do “desvio” com a cara da “maior honestidade”. E ainda te dizem que “’é assim”.
Se liga... Normalizar tornozeleira, mortes, desrespeito da lei, assédio, abuso, fingir que se é religioso só porque se refere a Bíblia a todo o instante, fazer férias durante as funções de presidente de um país, normalizar mentiras, etc, etc, são aprendizagens venenosas para as crianças que serão os adultos que vão mandar no mundo em que seremos velhos.
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Ana Santos, professora, jornalista
Imagem: Andrea del Verrocchio
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