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2 Contos de Manchetes

  • Foto do escritor: portalbuglatino
    portalbuglatino
  • 29 de abr. de 2023
  • 4 min de leitura

Conto “LACRAÇÃO”

Ela não queria nem saber – se aparecia meia oportunidade, tentava lacrar pra postar na internet. Ia na loja comprar qualquer coisa e puxava um barraco com a vendedora – já entrava na loja fazendo live, claro.

- “Perainda” que hoje eu vou rolar no chão com essa “baranga” – todas as gírias eram pouco pra ela.

- Quero treta, gente!

E assim, de escândalo em escândalo, todos vazios de justiça, ela foi escalando: 1K, 10K, 100K, 999K (999 mil)...

- É hoje que eu vou fazer qualquer coisa pra completar meu primeiro M (milhão)!

Tinha debate com autoridades, na faculdade. E alcançar o seu precioso M não lhe saia da cabeça. Colocou um perfume meio forte demais, mas ela queria que todos virassem a cabeça quando ela chegasse. Começou a lacrar com a escolha da roupa – nada de discrição nessa hora!

- Oncinha? Tigreza? Não, não – pantera!

Já saiu de casa online, no “esquenta” da lacração de 1 M e o motorista do Uber nem conseguia respirar – o perfume...

- Eu tenho um problema com perfume... Vou aqui dirigir com a janela aberta, valeu?

E já apareceu mal na live. Mas Alba não queria saber. Hoje ela veria seu M brilhando no céu.

Entrou no debate. Cheio. Seu coração quase saía do peito. Era ali seu dia, sua glória. Viu seu professor de filosofia falando. Ela gostava muito dele.

- Mas vou te "jantar" assim mesmo!

Chegou perto da mesa. Ele falava de ética, de postura, da importância de as pessoas respeitarem o ambiente onde estavam. O coração dela foi apertando. De algum modo, ela foi sufocando de vergonha. Queria começar a fazer a live e não conseguia “clima”. Lembrou da escola elementar, onde a professora nunca deixava que um menino ofendesse o outro. Nunca. Por nada. Pra ela foi tão importante, aquilo...

- E para além da própria honestidade, segundo os romanos, precisa-se parecer honesto. Isso não pode ser desfigurado pela política, pelo direito, pela sociedade.

Cravou as unhas nas palmas das mãos até que saíssem lágrimas de seus olhos. Tinha que ser, tinha que ser.

- Professor! – e já ligou o celular.

Surpreendentemente, ele a olhou e disse:

- Essa minha aluna mesmo, a Alba, como melhorou. Refinou seu pensamento crítico, sempre foi respeitosa comigo e os colegas em sala, tornou-se uma pessoa da qual todos sentiam falta nas aulas e hoje é mesmo uma honra recebê-la e a seus colegas. A troca de conhecimento entre eles sempre foi um traço a se destacar e...

Os olhos de Alba se encheram de lágrimas com a homenagem – ela não conseguia se controlar. Como manter sua imagem lacradora e escandalosa, quando seu professor a homenageava frente à turma?

Agradeceu como nunca, pediu perdão por qualquer coisa e perdeu 100k.

- Ah, mas valeu demais viver isso, gente!

Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV


Conto “Somos apenas números”

Acordou e viu, viu o sol. Um Sol. Gosta de números pares mas tudo bem, aceita que exista um sol apenas. Ele é um poderoso ímpar.

Tomaram o café da manhã as duas. Gostam disso. Pares, emparelhadas, em dupla, em dobro. Não venha não, que uma defende e a outra ataca, uma procura e a outra constrói. Se uma está fraca a outra se faz forte. Se uma está doente a outra se transforma em duas.

Tiveram um filho, ficaram três. O que dava certo começou a dar errado. A casa pequena, chegava para elas e para todos os que as visitavam. Mas agora a casa é para ele, o filho. Na casa não cabe mais nada. Apenas os três. Com o pequeno a liderar e tudo a desmoronar.

Olha todos os dias para ver se consegue. Será que é naquele dia? Saiu de casa, deixou o filho na escola, e quando chega ao trabalho e atravessa o jardim, sempre olha. Tem de ser hoje. E é, e é! Ali está ele, finalmente – o trevo de quatro folhas.

É dia de ir visitar os amigos que adotaram cinco filhos. Adoram aquela família. Por tudo - o carinho, as tarefas, a vida e a comida simples, a capacidade de doar amor cinco vezes - cinco vezes a entrega, a preocupação, o medo, a dedicação. Uma mão cheia de família.

Gosta de ir para casa a pé. Passa pela escola para buscar seu filho e fazem o seu passeio diário. Um momento em que contam como foi o dia, contam as coisas engraçadas que aconteceram, olham a rua, as pessoas, as árvores, as flores e os pássaros. É a hora de recolha das aves numa árvore da rua e é sempre impressionante aquele barulho. Todos os dias aquela maravilha a espanta e seu filho está a ficar viciado naquela beleza. Costumam ficar ali um bom tempo. Até sentam, se o banco daquela praça está vazio. Nesse dia, com direito a banco, com direito a sentar, apreciar, descansar. Que beleza! Perto dali ouvem vários sons, ela sente um enjoo e ao mesmo tempo seu filho solta um ruído estranho.

No dia seguinte o jornal tem uma notícia terrível – mãe e filho perdem a vida enquanto apreciam os pássaros chegando a casa. Mortos a tiro de fuzil. Seis tiros.

Ana Santos, professora, jornalista

 
 
 

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