
O filme é meio invertido de tudo o que estamos acostumados a ver na tela. A música que serve de trilha fica todo um primeiro segmento do filme como linha de áudio principal e as vozes, os diálogos, são usados como coadjuvantes da trilha. Ao mesmo tempo, todo o filme é feito com luzes de menos, propositadamente. Jorge Garcia é um super conhecido ator, que tem um talento raro e que sabe como dividir sua participação com os colegas. Mas ser protagonista de um filme onde se passa 2/3 do tempo em silêncio e oculto pela penumbra, e ainda assim atuar com a destreza esperada de um protagonista é um atestado de raro talento.
Como o filme é muito diferente de tudo o que eu já vi, apesar de gostar muito da história e mais ainda do tema - num momento onde a internet denuncia e se apropria de tudo, numa fagocitose gigante – eu não sei dizer se no formato de filme com que me acostumei, a história ficaria mais clara. Acho que não. Afinal, a vida real é cheia de coisas turvas e nuvens que tampam sóis, quando o assunto deve permanecer oculto. A vida também oculta o talento das pessoas, se elas não “preenchem” todos os requisitos. Ele é gordo? Fora. Ele é estranho? Fora. Diferentes? Fora. Negros? Gays? Especiais? Mulheres? Fora, fora, fora.
Os “in” partilham das hipocrisias, “frequentam as rodas”, obtém os convites. Mas nem sempre ou mesmo quase nunca ou mesmo nunca os grupos socialmente “in” querem olhar ao redor em busca dos melhores. Na verdade, a ideia é ocultar os que podem aparecer para que os seus sejam sempre os visíveis. E no filme isso alcança todos os limites razoáveis.
Com todos os estranhamentos, façam a pipoca e assistam. Está na Netflix.
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
Um filme escuro, lento, povoado de canções. Filmado num lugar lindíssimo, isolado por um lago ou rio. Bons atores, roteiro bem original e uma direção diferente.
Uma história que deve acontecer muitas vezes por aí, pelo mundo. Uns, dotados, mas sem a imagem que se deseja, são explorados e escondidos. Outros, com uma imagem mais aceite, sem talento nenhum, usufruem do mundo, do sucesso e de toda uma máquina que os acompanha e os “serve”. Quantos cantores e grupos de música conhecemos que são só “fachada”? Que os estúdios de gravação transformam em “grandes cantores”? E quantos compram 10 milhões de visualizações, nos países do leste europeu? Nem tudo é o que parece.
Memo é um fofo. Um homem que foi explorado pelo mundo da música, pelo pai e que passa a viver escondido trabalhando e vivendo com um tio super doce e fofo. Num lugar isolado e lindo. Num trabalho difícil e nojento. Acaba por conhecer uma mulher sensível e que vê nele o encanto e a magia que poucos vêm. Só que o mundo não vive mais sem celular, sem internet, sem Youtube. E isso vai mudar de novo a sua vida. Para melhor ou para pior? Veja você mesmo e tire você essa conclusão. Na verdade, o que é melhor ou pior?
Ana Santos, professora, jornalista
Informações sobre o filme
Diretor: Gaspar Antillo
Sinopse: Memo vive em uma fazenda de ovelhas chilena remota, escondendo uma bela voz do mundo exterior. Um recluso com um toque brilhante, ele não consegue parar de pensar no passado, mas o que vai acontecer quando alguém finalmente ouvir?
Elenco: Jorge Garcia, Lukas Vergara, Millaray Lobos