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Vidas em poesia

A vida na Caatinga pode ser imaginada por nós que nunca a vivemos através das palavras dos sábios e dos resistentes. Dos nordestinos. A vida pode ser entendida nas palavras dos que a sentem e a sabem dizer. Porque a vida merece ser vivida em pleno por todos.
1. Poesia indicada pelo Bug Latino
“SERTÃO”
“O sol requeima os caatingais adustos.
Desolação. Tristeza. Calmaria.
Nem uma folha nos galhos dos arbustos...
Silêncio. Solidão. Melancolia.
Jequitibás, outrora tão robustos,
Já fenecem sem viço, sem poesia,
Foge o jaguar dos florestais vetustos,
Fogem ninfas da fonte, em romaria.
Caem mortas em meio dos caminhos
Aves que partem lúgubres, frementes,
Tentando a busca de longínquos ninhos.
Jazem sem vida os matagais bravios.
Porém, altos, eretos, imponentes,
Zombam da seca os coqueirais esguios.”
ADERBAL DE SOUSA E OLIVEIRA
Poeta Baiano
2. Poesia indicada por Maria Lúcia Levert
“Pedra filosofal”
“Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso
em serenos sobressaltos,
como estes pinheiros altos
que em verde e oiro se agitam,
como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.
Eles não sabem que o sonho
é vinho, é espuma, é fermento,
bichinho álacre e sedento,
de focinho pontiagudo,
que fossa através de tudo
num perpétuo movimento.
Eles não sabem que o sonho
é tela, é cor, é pincel,
base, fuste, capitel,
arco em ogiva, vitral,
pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia,
máscara grega, magia,
que é retorta de alquimista,
mapa do mundo distante,
rosa-dos-ventos, Infante,
caravela quinhentista,
que é Cabo da Boa Esperança,
ouro, canela, marfim,
florete de espadachim,
bastidor, passo de dança,
Colombina e Arlequim,
passarola voadora,
pára-raios, locomotiva,
barco de proa festiva,
alto-forno, geradora,
cisão do átomo, radar,
ultra-som, televisão,
desembarque em foguetão
na superfície lunar.
Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida.
Que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança.”
António Gedeão
Poeta Português