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“TEMOS QUE NOS LIVRAR DOS CONFLITOS” Bug Sociedade


Fotografia de Lisa Kristine - @lisakristinephotography

“TEMOS QUE NOS LIVRAR DOS CONFLITOS” Bug Sociedade

Quando as pessoas falam em mais uma guerra, de alguma forma parece uma coisa distante “porque o Brasil é um país pacífico, de povo cordial”. O fato é que continuam tentando colocar uma parte contra a outra, à força de mentiras e preconceitos. Isso não pode crescer porque num dado momento, o ódio pode realmente se instalar na cabeça e no coração das pessoas. Portanto, mesmo sabendo que existem séculos de problemas entre povos, de tormentas ao redor de Israel, que são todos povos muito antigos, vamos tentar enumerar coisas brasileiras que estão sendo instaladas como veneno, dia a dia e que temos que combater pra gente não viver em guerra:

Nunca tivemos preconceito contra religião nenhuma. Ao contrário: É normal rezar o terço e tomar banho de folha pra tirar mau olhado, ir à missa e dar um docinho pra os Erês, etc, etc. Um povo tão abençoadamente misturado como o nosso pode se dar a esse luxo. Portanto, essa coisa de destruir as casas de candomblé é ultrajante pra todos nós e não podemos aceitar que as depredações continuem. Os evangélicos também não podem aceitar isso. A história de que Exu é diabo, é mentira. Exu é o mensageiro, assim como Apolo também. São símbolos do movimento ininterrupto da vida – não é porque Apolo é grego que a sua simbologia tem maior dimensão do que a dos nossos orixás.

Outra coisa que está sendo muito usada atualmente é a volta da discussão (INÚTIL) sobre o casamento homoafetivo. Gente, de novo: é inútil discutirmos coisas ilegais e ninguém pode proibir um direito de existir. Outra coisa que chega a ser meio idiota é tentar confundir mulher trans, com homem disfarçado de mulher – porque não basta colocar uma peruca loira pra “virar” mulher, como pensam alguns homens hetero, em Brasília. Aliás, a imaturidade dos homens, notadamente em Brasília, é vergonha nacional. E todos com essa ideia fixa por sexo, repararam? Ouvindo eles falarem do “perigo” que correremos no banheiro - nós todas do gênero feminino - fico me perguntando o que acontece nos banheiros masculinos: será que eles se “atacam sexualmente”? Quebram as fechaduras dos banheiros? Não usam os trincos das portas? Porque, rigorosamente, nos banheiros femininos nós fazemos xixi e cocô, lavamos as mãos, nos olhamos no espelho, retocamos alguma coisa fora do lugar e saímos. Se os homens não fazem isso e imaginam que acontecem estupros no banheiro do shopping, o que será que eles fazem? Mais uma vez eu reafirmo que só existem vagões que nos abrigam contra os ataques do gênero masculino, nos transportes. E todas nós: heteros, gays e trans somos vítimas dos tarados – todos heteros.

Falar sobre liberação de poucos gramas de maconha não é liberar o tráfico, é deixar claro quanto uma pessoa pode ter em seu poder para consumo próprio. As cadeias estão lotadas de gente que não fez nada, a não ser estar com um baseado. Que os deputados imaturos trabalhem para definir quanto é o permitido, ao invés de tomar conta do nosso banheiro – Serão 10 gramas? 20 gramas? 100 gramas? O guarda estressado da rua não pode ter essa incumbência, já que nós sabemos que a blitz pega pobres. Só os pobres. Parem de inventar trabalho pra Deus e trabalhem um pouco vocês também.

Se nós nos tratarmos com respeito apenas, aqui nunca vai virar a guerra que assistimos, as bombas terríveis, as mulheres atacadas (por terroristas hetero), mutiladas, violentadas. Pessoas sendo mortas por ódios que foram construídos por séculos. Deus não quer isso em nenhuma religião. Qualquer pessoa, quando fala que Deus quer arma, aceita mortes inúteis, mente. É uma coisa bem fácil: falou em matar e machucar, Deus ta fora.

Um pouco mais de humanidade entre nós, os brasileiros. Um pouco mais de aceitação é nos assumirmos como povo que vê e recebe todos com a dignidade que merecem. E isso serve principalmente pra nós mesmos. “Traficante do Senhor” é bandido igual ao que não tem religião nenhuma. Essa coisa de se autodenominar “do Senhor” não dá passaporte para a destruição de nada, nem de nenhum direito.

Paz e luz pra Israel, Palestina, Ucrânia, Rússia, Afeganistão, Síria, Haiti, Iêmen, República Democrática do Congo, Paquistão, Turquia, Azerbaijão, Etiópia, Somália, Moçambique, Nigéria, Mali e muitos mais que eu esqueci. Luz e paz para o Brasil, que escapou de um golpe de Estado e agora precisa entender que nossa única saída é a união de todos porque valemos à pena. Mas juntos.

Paz e luz.

Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV


“Palavras resolvem conflitos” Bug Sociedade

Quando era mais jovem, achava que os enredos dos maravilhosos livros de Gabriel García Marquez, com a quantidade de nomes e sobrenomes, com as mudanças drásticas das vidas dos personagens, eram invenções exageradamente complexas do escritor. Que imaginação a deste escritor - pensava. Até crescer um pouco e perceber como retratam tão bem o movimento da vida, das famílias e dos povos. Mais um horror humano, Hamas ataca Israel e dispara uma guerra que tem tudo para ser terrível pelo que já vimos. Esta complexidade sem fim num lugar do mundo – Palestina, Israel, Faixa de Gaza, Cisjordânia – que não consegue e parece que não conseguirá encontrar consensos, negociações, aceitações e uma narrativa semelhante entre todos. Anos de desentendimento, dor, ferida, sensação de injustiça de todas as partes, oscilações de poder. Os inocentes pagam e pagam de forma horrenda – homens decapitados e esquartejados, bebês raptados e assassinados, rapto e violação de mulheres – a assinatura masculina dos vermes, queimar pessoas vivas dentro das suas próprias casas. Nascer e viver num lugar determina se você faz parte de um romance de Philip Roth ou de um romance de Erico Veríssimo. Ter sorte de viver num lugar calmo é cada vez mais raro, mas num lugar de conflito, sua sorte é cada vez mais dantesca, animalesca, pavorosa, tétrica.

Não sabemos resolver conflitos. Não sei se é porque tem sempre muita gente envolvida, muita gente dando opinião, muitas questões em jogo – poder, religião, riqueza, o sagrado de cada um – mas a verdade é que não somos capazes de nos confrontar com as opiniões contrárias e encontrar uma saída equilibrada para todos. Existe sempre algo que achamos que nos dá a razão e não admitimos que nos digam que estamos errados. Não sabemos conversar, não sabemos negociar. Lembro muito de ouvir, em menina, que o Rei Salomão ameaçou cortar o bebê ao meio, quando duas mulheres insistiam em dizer que o filho era seu, até que a verdadeira mãe preferiu perder a “guarda” do filho, deixando a falsa mãe ficar com ele. E aí, Rei Salomão, percebeu quem falava verdade e a quem devia entregar o filho. Lembro de brigar com um colega da escola e ele dizer que ia rasgar os meus cromos – meu único patrimônio com 6 anos. E eu falei que rasgaria os cromos dele se ele o fizesse. Ainda hoje sinto imensa tristeza quando penso no momento em que fui buscar os meus cromos e eles estavam todos rasgados. Eu não fui rasgar os dele. Não quis que ele sentisse o que eu senti. Mas a minha amizade mudou nesse dia, para sempre. Até hoje, pois ali eu sei que a linha do razoável é ultrapassada e me protejo.

Não sabemos perdoar e não sabemos ensinar a perdoar. O ensino do perdão fica muito misturado com esquecer o que aconteceu e manter as relações iguais. Isso não é perdoar, é dar sinal a quem fez o mal de que pode continuar a fazê-lo. E as atenções se voltam muito para a pessoa que deve perdoar, menos para a pessoa que cometeu o erro, exigindo que se retrate. Somos complexos. Somos vingativos e tentamos ser ainda mais horrorosos do que foram com a gente. Ai fizeste isso? Agora vais ver o que te vou fazer.

No perdão, no conflito, na conversação, é preciso saber dizer e cumprir o que se diz.

Algo muito certo dito de forma muito errada, complica tudo. E um conflito arrasta outros conflitos que estão latentes.

Saber falar, saber expor nosso ponto de vista, saber o momento de afastar, o momento de aproximar, o momento de desistir ou insistir, é muito valioso. Ninguém ensina e não sabemos aprender corretamente, talvez pelos exemplos errados que vemos à nossa volta – Israel, Rússia, Ucrânia, Ruanda, familiares, esportivos, políticos, etc.

Aqui na Bahia a violência cresce e com ela cresce a preocupação de todos. E um estudo, ranking de 2022, choca quem vive em Salvador e Bahia. Veja. As primeiras 4 cidades são da Bahia – Jequié, Santo Antônio de Jesus, Simões Filho, Camaçari. Problemas latentes que estão a vir à tona em zonas de muito turismo.


Este final de semana o voleibol brasileiro masculino conseguiu o apuramento para os Jogos Olímpicos. No Mundial de Ginástica Artística, a equipe brasileira fez história. Rebeca Andrade e Flávia Saraiva foram gigantes. E são gigantes quando falam também. Sabem utilizar as palavras para dizer o que sentem, para agradecer quem as apoiou e apoia. Tão incríveis e solidárias. Meninas que vieram de comunidades e de projetos sociais e que elevam o Brasil silenciosamente e estimulam as meninas que também têm esse sonho. É tão triste ao mesmo tempo ouvir os comentários do atual treinador da seleção brasileira de futebol, numa pausa para hidratação, no jogo do seu time, Fluminense. Nenhuma palavra sobre correção de plano, ou de detalhe de movimentação, ou de jogo aéreo, ou de estratégia, ou até de motivação pela situação desfavorável. Apenas um homem furioso por estar perdendo, fazendo o que se fazia há mais de 20 anos – palavrões e provocações. Eu me pergunto o que ele dirá na seleção quando estão perdendo. Pedagogia, sociologia, psicologia do esporte, necessitam entrar no futebol. E em todos os esportes. Urgentemente. E o Voleibol também precisa de um discurso mais solidário e menos ego. O discurso dos jogadores não é trabalhado e precisa ser. Renan Dal Zotto, terminou sua colaboração e perceber que Rebeca Andrade tem mais palavras do que ele, mais visão abrangente sobre as situações, nos preocupa. O esporte não é só o que se faz, também é o que se diz e o que se representa.

As palavras parecem valer pouco, mas são o mais importante da nossa vida, nos tempos atuais. Não esqueça.

Ana Santos, professora, jornalista

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