Poesia de Ser
- portalbuglatino
- 10 de jul. de 2024
- 2 min de leitura

“A Jornada”
“Um dia você finalmente soube
o que tinha que fazer, e começou,
embora as vozes à sua volta
continuassem berrando
seus maus conselhos –
embora a casa toda
começasse a balançar
e você sentisse o velho puxão
nos seus calcanhares.
“Remende minha vida!”
cada voz clamou.
Mas você não parou.
Você sabia o que tinha que fazer,
embora o vento tateasse
com seus dedos rijos
suas próprias bases,
e embora sua melancolia
fosse terrível.
Já era suficientemente
tarde, e uma noite selvagem,
e a estrada estava cheia de galhos
e pedras espalhados.
Mas pouco a pouco
conforme você deixava aquelas vozes para trás,
as estrelas começaram a queimar
através das camadas de nuvens,
e havia uma nova voz
que você lentamente
reconheceu como sua,
e que se manteve a seu lado
enquanto você avançava cada vez mais fundo
no mundo,
decidida a fazer
a única coisa que poderia fazer –
determinada a salvar
a única vida que poderia salvar.”
Mary Oliver
Trad.: Nelson Santander
“O Sobrevivente”
“Impossível compor um poema a essa altura da evolução da humanidade.
Impossível escrever um poema - uma linha que seja - de verdadeira poesia.
O último trovador morreu em 1914.
Tinha um nome de que ninguém se lembra mais.
Há máquinas terrivelmente complicadas para as necessidades mais simples.
Se quer fumar um charuto aperte um botão.
Paletós abotoam-se por eletricidade.
Amor se faz pelo sem-fio.
Não precisa estômago para digestão.
Um sábio declarou a O Jornal que ainda falta
muito para atingirmos um nível razoável de
cultura. Mas até lá, felizmente, estarei morto.
Os homens não melhoram
e matam-se como percevejos.
Os percevejos heróicos renascem.
Inabitável, o mundo é cada vez mais habitado.
E se os olhos reaprendessem a chorar seria um segundo dilúvio.
(Desconfio que escrevi um poema.)”
Carlos Drummond de Andrade




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