
“Escolhas”
“se eu não posso fazer
o que eu quero fazer
então o meu trabalho é não
fazer o que eu não quero
fazer
não é a mesma coisa
mas é o melhor que eu posso
fazer
se eu não posso ter
o que eu quero
então meu trabalho é querer
o que eu já tenho
e ficar satisfeita
que pelo menos
há algo a mais para querer
já que eu não posso ir
para onde eu preciso
ir
então eu devo ir
para onde os sinais apontam
mesmo sempre entendendo
que movimentos paralelos
não são laterais
quando eu não posso expressar
o que eu realmente sinto
eu pratico sentir
o que eu consigo expressar
e nada disso é igual
eu sei
mas é por isso que a humanidade
é a única entre os mamíferos
que aprende a chorar”
Nikki Giovanni
poeta, escritora, comentarista, educadora e ativista norte-americana
“A vida na hora”
“A vida na hora.
Cena sem ensaio.
Corpo sem medida.
Cabeça sem reflexão.
Não sei o papel que desempenho.
Só sei que é meu, impermutável.
De que trata a peça
devo adivinhar já em cena.
Despreparada para a honra de viver,
mal posso manter o ritmo que a peça impõe.
Improviso embora me repugne a improvisação.
Tropeço a cada passo no desconhecimento das coisas.
Meu jeito de ser cheira a província.
Meus instintos são amadorismo.
O pavor do palco, me explicando, é tanto mais humilhante.
As circunstâncias atenuantes me parecem cruéis.
Não dá para retirar as palavras e os reflexos,
inacabada a contagem das estrelas,
o caráter como o casaco às pressas abotoado
eis os efeitos deploráveis desta urgência.
Se eu pudesse ao menos praticar uma quarta-feira antes
ou ao menos repetir uma quinta-feira outra vez!
Mas já se avizinha a sexta com um roteiro que não
conheço.
Isso é justo — pergunto
(com a voz rouca
porque nem sequer me foi dado pigarrear nos bastidores).
É ilusório pensar que esta é só uma prova rápida
feita em acomodações provisórias. Não.
De pé em meio à cena vejo como é sólida.
Me impressiona a precisão de cada acessório.
O palco giratório já opera há muito tempo.
Acenderam-se até as mais longínquas nebulosas.
Ah, não tenho dúvida de que é uma estreia.
E o que quer que eu faça,
vai se transformar para sempre naquilo que fiz.”
Wislawa Szymborska
escritora da Polônia, ganhadora do Prémio Nobel de literatura em 1996. Poeta, crítica literária e tradutora, viveu em Cracóvia.
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