Há uma dor que a poesia liberta, que o coração abre e que as mãozinhas soltam nessa neve/nevoeiro que é a vida...
Há uma dor que grita porque está longe mesmo quando está perto, que tenta abrir portas fechadas e que chora, chora, chora.
Há poesia porque há esta dor.
1. Poesia indicada pelo Bug Latino
“O proscrito”
“Vou deixar meus pátrios lares,
Alheio clima habitar.
Ver outros céus, outros mares,
Noutros campos divagar;
Outras brisas, outros ares,
Longe do meu respirar...
Vou deixar-te, oh! Pátria minha,
Vou longe de ti - viver...
Oh! Essa ideia mesquinha,
Faz meu dorido sofrer;
Pálida, aflita rolinha
De mágoas a estremecer.
Deixar-te, pátria querida.
É deixar de respirar!
Pálida sombra, sentida
Serei - espectro a vagar:
Sem tino, sem ar, sem vida
Por esta terra além - mar.
Quem há de ouvir-me os gemidos
Que arranca profunda dor?
Quem há de meus ais transidos
De virulento amargor,
Escutar - tristes, sentidos,
Com mágoa, com dissabor?
Ninguém. Um rosto a sorrir-me
Não hei de aí encontrar!...
Quando a saudade afligir-me
Ninguém irá me consolar;
Quando a existência fugir-me,
Quem há de me prantear?
Quando sozinho estiver
Aí à noite a cismar
De minha terra, sequer
Não há de brisa passar,
Que agite todo o meu ser,
Com seu macio ondular...”
Maria Firmina dos Reis (1825-1917)
São Luís do Maranhão
In “Cantos à beira-mar” e “Gupeva”
A abolicionista negra que se tornou a primeira romancista do Brasil.
2. Poesia indicada por Maria Lúcia Levert
“Outros terão
Um lar, quem saiba, amor, paz, um amigo.
A inteira, negra e fria solidão
Está comigo.
A outros talvez
Há alguma coisa quente, igual, afim
No mundo real. Não chega nunca a vez
Para mim.
"Que importa?"
Digo, mas só Deus sabe que o não creio.
Nem um casual mendigo à minha porta
Sentar-se veio.
"Quem tem de ser?"
Não sofre menos quem o reconhece.
Sofre quem finge desprezar sofrer
Pois não esquece.
Isto até quando?
Só tenho por consolação
Que os olhos se me vão acostumando
À escuridão.”
Fernando Pessoa
13-1-1920.
3. Poesia de Teresa Vilaça
“MANIFESTO - TODA POESIA”
“Em dores e alegrias
Gritos de viver
Avisos de olhar
Cheiro de mata
Prato de comida
Contra a mentira no lugar da luta
O auxílio no lugar de trabalho
O fetiche no lugar do saber
A morte no lugar do depois
Toda poesia
atenta
falará a palavra
dos nossos próprios passos.”
T.Vilaça
Salvador, 05 de setembro 2020
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