Na poesia é tão bom ser ridículo. Mas ser ridículo, é ser inteiro. Escreva poesia sem medo. Escreva como se fosse um pássaro, ou outra coisa qualquer. Denuncie, chore e cante. Seja isso num poema. Seja o que quiser nos poemas.
1. Poesia indicada por Maria Lúcia Levert
“Todas as Cartas de Amor são Ridículas”
“Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.
Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.
As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.
Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.
Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.
A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.
(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)”
Álvaro de Campos
PESSOA, F. Poesias de Álvaro de Campos. Lisboa: Ática. 1944 (imp. 1993). p. 84.
2. Poesia indicada por Bernardo Gonçalves (conhecido pelos amigos como "Bergon")
“O PÁSSARO CATIVO”
“Armas, num galho de árvore, o alçapão
E, em breve, uma avezinha descuidada,
Batendo as asas cai na escravidão.
Dás-lhe então, por esplêndida morada,
Gaiola dourada;
Dás-lhe alpiste, e água fresca, e ovos e tudo.
Por que é que, tendo tudo, há de ficar
O passarinho mudo,
Arrepiado e triste sem cantar?
É que, criança, os pássaros não falam.
Só gorjeando a sua dor exalam,
Sem que os homens os possam entender;
Se os pássaros falassem,
Talvez os teus ouvidos escutassem
Este cativo pássaro dizer:
"Não quero o teu alpiste!
Gosto mais do alimento que procuro
Na mata livre em que voar me viste;
Tenho água fresca num recanto escuro
Da selva em que nasci;
Da mata entre os verdores,
Tenho frutos e flores
Sem precisar de ti!
Não quero a tua esplêndida gaiola!
Pois nenhuma riqueza me consola,
De haver perdido aquilo que perdi...
Prefiro o ninho humilde construído
De folhas secas, plácido, escondido.
Solta-me ao vento e ao sol!
Com que direito à escravidão me obrigas?
Quero saudar as pombas do arrebol!
Quero, ao cair da tarde,
Entoar minhas tristíssimas cantigas!
Por que me prendes? Solta-me, covarde!
Deus me deu por gaiola a imensidade!
Não me roubes a minha liberdade...
Quero voar! Voar!
Estas cousas o pássaro diria,
Se pudesse falar,
E a tua alma, criança, tremeria,
Vendo tanta aflição,
E a tua mão tremendo lhe abriria
A porta da prisão...”
Olavo Bilac
Jornalista e poeta brasileiro, do Rio de Janeiro, membro fundador da Academia Brasileira de Letras. Criou a cadeira 15, cujo patrono é Gonçalves Dias (1865-1918)
3. Poesia de Gal Perdigão
“Tudo passará”
“Um dia tudo passará...
Andarei pelos campos arados,
Pisarei no chão molhado,
Sentirei a grama macia,
A areia fina da praia,
As águas do mar
Banhando minha pele,
Por tanto tempo
Longe do sol,
Não terei prazer maior!
Quando tudo passar,
Haverá o reencontro
Com a natureza renovada,
Que refeita me esperava.
Saberei que nada foi em vão...
No início a casa: uma prisão,
Para, depois, a transformação;
Tudo com um propósito...
O necessário ócio,
A reflexão e meditação.
Assim me sentirei
Mais livre e inteira,
Por descobrir minha missão!”
Gal Perdigão
de "Poemas na Quarentena" (2020)
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