top of page

“HÁ UMA LUZ NOVA NO CÉU” e “Segredinhos e arranjinhos” Bug Sociedade



Christina Motta
Christina Motta


“HÁ UMA LUZ NOVA NO CÉU” Bug Sociedade

Com todas as oscilações e passos lentos, a partida do Papa Francisco deixa o cristianismo mais atrasado. Aquele cristianismo preso karmicamente (por algum motivo) na idade das trevas, onde se tem a impressão errônea de que viver jogando com a culpa e com a dor – dos outros, claro – faz bem a nós, humanos. Nada é tão trevoso quanto a proibição que a cita – a culpa – como motivo nobre. Francisco fez parte de um mundo religioso que não queimava mais as mulheres nas fogueiras e que aos trancos e barrancos, conseguiu encaixar a comunidade LGBT num outro lugar diferente do pecado, da culpa e do castigo. Pela primeira vez ser LGBT fez parte, na mesma frase de um discurso cristão, da palavra amor.

Isso é muito. Falar simplesmente de amor e aceitação, num mundo “embaraçado” em redes sociais que julgam, pré-julgam e pós julgam o tempo inteiro, todas as ações, olhares, comidas, comportamentos, roupas, caras, bocas... também vai fazer falta o bom humor, o sorriso e a aceitação das pessoas, feita pelo Papa.

Francisco leva com ele a sinceridade suave com que defendeu as crianças vitimadas pela pedofilia religiosa até de sua própria igreja – aliás foi o primeiro a citá-la e combate-la numa civilização machista onde há uma idolatria e acobertamento ao “pênis social”, que pode tudo. Que apontou o trucidamento tanto do Paquistão, quanto da Ucrânia, usando a mesma reprimenda honesta para Israel e à Rússia, Putin e Netanyahu e a todos nós – omissos humanos. É difícil ver a fome, o abandono, bombas, estupros, impiedades de todas as formas e ter uma palavra ponderada a dar – creio que eu não a teria para todos que a receberam dele.

Não conseguiu acabar com a ostentação das igrejas cristãs, assim como algumas autoridades evangélicas estão cada vez mais longe da humildade e gentileza – pelo menos no Brasil – mas optou pela simplicidade de gestos, olhares, sorrisos e sobretudo da boa vontade. O mundo fica menos luminoso sem o seu sorriso e o seu carinho delicado com as pessoas. Mas o encontro do Papa com as crianças de Gaza, no céu, será estrondoso, épico, maravilhoso, num mundo sem tanta política – e com tantos políticos inúteis – alguma coisa com mais ações reais de ajuda entre nós mesmos do que simplesmente palavras soltas ao vento.

Ter Francisco partido em seguida da Páscoa, nos dá a dimensão da sua alegria de viver. Morreu quase que durante a festa, num ambiente ressuscitado, novinho em folha, pronto pra reconstruir relações onde exista boa vontade, gentileza e cordialidade porque os nossos problemas costumam sempre nascer da crueldade e impiedade humana.

Carregue, Francisco, algo além do que vimos e vemos: incêndios, queimadas, acidentes, climas extremos, guerras para adultos, guerras para crianças, idosos e mulheres, bombas, sangue, exploração do trabalho e terror. Nos livre da visão terrível de tudo o que poucos comandam e muitos sofrem. Nos livre da luta pelo poder que está estabelecida no mundo desde sempre. Talvez, com o seu pedido, consigamos um passo rumo à generosidade – num mundo menos ambicioso e brutal. Menos cínico e arrogante.

Todos chorarão, mas você saberá muito bem diferenciar o joio do trigo – há mais de 2000 anos, a receita da separação entre os dois nos foi dada. E mesmo Jesus, talvez fosse “cancelado das redes” por sua sinceridade e energia, hoje. Uma pessoa nobre, que não se curvava à corrupção reinante. Como você.

Parta em paz. As crianças de Gaza, da Ucrânia, as perdidas pela fome, as da pandemia, já o estão esperando...

Saiba que nos deixou mais sós.

Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV

 

“Segredinhos e arranjinhos” Bug Sociedade

Em criança aprendi que obedecendo aos mais velhos, chegaria a um lugar bom para a minha vida.

Em jovem aprendi que estudando, chegaria a um lugar bom para a minha vida.

Em jovem adulta aprendi que boas notas na faculdade me dariam bons empregos. Bons empregos me dariam bom dinheiro e boas condições de vida.

Em adulta aprendi que mesmo sendo boa no que se sabe e faz, precisamos fazer muita coisa que não gostamos e muita coisa que não sabemos. Que não sabemos, mas que temos de fazer de conta que sabemos. Todos. Todos falamos e fazemos coisas que não sabemos. Fazemos coisas que não gostamos, para não perder os trabalhos, para não perder as promoções, para dar aos nossos filhos o que nunca pudemos ter, para impressionar os outros, para fazer parte dos que são “os bons”. E aos poucos, aos solavancos, vamos entrando na pele do que chamamos maturidade, que parece mais contaminação, empobrecimento do “eu” de cada um, empobrecimento dos países, do mundo.

Em adulta, noutro país, com outras regras, com outras condições de vida, aprendi que é universal o valor dos segredos na sociedade - nunca lidei bem com isso, nem nunca lidarei, independentemente do lugar onde viva, ou as condições que tenha. Os segredos que todos sabem, mas que são segredos e que quem faz parte dos que sabem esses mesmos segredos, faz parte do “jogo”. Um jogo em que quem fala nos segredos ou os utiliza de forma individual, sem obedecer à hierarquia imposta, é excluído ou “desaparecido” – não joga mais. Segredos que devemos fazer de conta que concordamos – quem não concorda, também sai fora. Segredos terríveis ou segredos bobos, como formas de poder e formas de testar sua confiança no sistema – se não fazemos o que querem, não somos aprovados, somos excluídos. Aceitamos entrar no “faz de conta” ou dificilmente conseguiremos chegar a esse lugar de sucesso, de estabilidade financeira, aprovado pelos que têm a chave das portas – e o cofre dos segredos.

Impressionante como tudo isto inundou, não só o mundo do trabalho, mas também o mundo pessoal. O mundo pessoal é atualmente também o do trabalho e vice versa. Não existem mais fronteiras nem zonas de segurança.

Voamos sem proteção, sem paraquedas. Vivemos em constante queda livre, sem saber onde vamos cair, nem em que condições vamos ficar quando chegarmos a esse lugar idílico de vida de sucesso. Para evitar essas incertezas, é preciso aceitar os segredos, os favores, é preciso pedir, é preciso casar com a pessoa certa, ter o trabalho certo, viver no lugar certo, dizer as palavras certas, sorrir nas horas adequadas, falar sem falar, dizer sem parecer, circular sem ruído, aceitar os acordos, as formas, as regras não ditas.

É fácil e nítido, basta olhar o corpo das pessoas para perceber o quanto sofrem, engolem, aguentam, permitem, enfrentam. Umas adoecem pela obesidade, outras por comerem apenas o que as intoxica, outras por não comerem, outras por beberem demais, outras por tomarem demasiados medicamentos, outras por se drogarem. Tem as que conseguem manter o corpo com bom aspecto, mas nessas basta olhar os olhos tristes ou carregados de inveja, raiva, rancor. Ou as que se inundam com tatuagens, tentando gritar o que querem dizer, pela pele. Ou as que são mais faladas atualmente: as que deprimem, as que se suicidam e as que parecem panelas de pressão que estouram a qualquer instante.

É muito raro, mesmo muito raro, encontrar pessoas que estão sintonizadas, sincronizadas, equilibradas, com seu corpo, com suas escolhas, com seus momentos.

Papa Francisco parece ter sido uma pessoa dessas, das que conseguiu. Conseguiu quebrar silêncios e segredos milenares, mexer nos sacos de “gatos”, nos enxames de abelhas. E todos os poderosos, de todos os lados, tiveram de o ouvir e “engolir”. Conseguiu atravessar a poluição do mundo, a poluição dos segredos e das regras herméticas nas religiões, a poluição dos poderosos. Sorriu, fez e falou tudo o que esteve ao seu alcance. Mais ainda do que talvez esperássemos de um Papa, no mundo atual. Surpreendeu-nos, nos deu esperança. Lembrou-nos que em cada povo existem seres humanos horrorosos – Javier Milei, por exemplo – e seres humanos estupendos – como ele, Papa Francisco. Em todos os povos, o bom e o mau. Em cada um de nós, o bom e o mau.

As pessoas fogem de viver uma vida de verdade com medo de sofrer e acabam sofrendo mais por engolir as vidas de faz de conta.

Você não é bobo não. Quando te chamarem bobo significa que você começou a ver, começou a incomodar. Está no caminho certo. Na dúvida pense no Papa Francisco. E se não se lembrar de mais nada, pense no Bug Latino.

Ana Santos, professora, jornalista



 
 
 

Comentários


ESPERAMOS SEU CONTATO

+55 71 99960-2226

+55 71 99163-2226

portalbuglatino@gmail.com

  • Facebook - White Circle
  • YouTube - White Circle
  • Instagram - White Circle
  • TikTok

Seus detalhes foram enviados com sucesso!

bottom of page