
Lá estava ela – Alice. O País do espelho ela via pelos caquinhos do seu. Mas como não falava com mais ninguém – havia cancelado todos – achava que aquela coisa em frangalhos de alguma forma estava inteira e todos estavam saudáveis e felizes, num mundo são.
Há quanto tempo o mundo não era são, nem se sabia mais. Tinha virado Blade Runner e os humanos estavam se desumanizando e virando androides.
Uma fala estranha ao lugar, mas totalmente inserida no momento, saiu na boca do espelho da Alice: “I’ll be back”. Ela deveria ver aquilo como uma ameaça ou como uma promessa sensual? Em que mundo viveria Alice?
Do seu mundo meio doido, mas feliz, tinha sobrado apenas a loucura. O Coelho Maluco passou contando os mortos com toda pressa porque não tinha onde enterrá-los. Tic tac.
Alice sofria e inventava soluções maravilhosas para os terríveis problemas do mundo. “Estão dizendo que tem gente morrendo, mas é mentira. O mundo inventa coisas só para prejudicar quem está feliz”. E no País do espelho nem tinha mais lugar pra se internar...
Sua mãe cansou de dizer, mas de tanto fazê-lo, calou-se. Mas sua voz ecoava no país do espelho: “Alice, onde você vai? Com quem está andando?” Mas dentro de um mundo estranhamente doente, Alice via o Gato que Ri e com ele fumava coisas estranhas pra continuar vivendo em seu mundo de ficção.
Alice foi feliz. Mas na sua vida antiga, ingênua. Nem imaginava quando tinha deixado de sê-lo. As florestas queimaram, o mundo se desertificou, a água ficou rara, o ar se poluiu e Alice, passou a se drogar de seus sonhos mentirosos, de ilusões que um dia ruiriam.
Como nos filmes, nada dilui os piores momentos, os nós dramáticos. O mundo se sentou diante da TV, qual Alice, sonhando com curas sem vacinas, sem máscaras, sem sacrifícios. Um país de espelho em frangalhos que se encontra por todo o mundo. Um mundo cada vez mais egoísta, mais solitário, suicida e triste.
A Alice que vivia no País das Maravilhas, quebrou o espelho da realidade e nele apareceram apenas Reis e Rainhas malucos, aos gritos de “Cortem-lhes as cabeças!” Mas lá longe, bem lá longe mesmo, no seu pensamento mais perdido, havia uma voz realista que repetia: “Alguém pode me dizer o caminho para sair daqui?”
ANA RIBEIRO
Comments