“I – VAGUEDADES”
II
Bem sei que não há nada de
Novo sob o céu,
Que antes outros pensaram
As cousas que ora eu penso.
Bem, para que escrevo?
Bem, porque somos assim:
Relógios que repetem
Eternamente o mesmo.
III
Tal como as nuvens
Que impele o vento,
E ora assombram, e ora alegram
Os espaços imensos do céu,
Assim as idéias
Loucas qu´eu tenho,
As imagens de múltiplas formas,
D´estranhas feituras, de cores incertas,
Ora assombram,
Ora aclaram
O fundo sem fundo do meu pensamento.”
Rosalía de Castro
(1837-1885)
escritora e poetisa espanhola. Considerada como a fundadora da literatura galega moderna
Tradução de Andityas Soares de Moura
“CANTIGA”
“Eu cantar, cantar, cantei;
a graça não era muita,
pois nunca por meu pesar,
fui eu menina graciosa.
Cantei como foi possível,
dando voltas e mais voltas
assim como quem não sabe
perfeitamente uma cousa.
Porém depois de mansinho
e um pouco mais alto agora,
fui soltando essas cantigas
como quem não quer a cousa.
Eu bem quisera, é verdade,
que elas fossem mais bonitas;
eu bem quisera que nelas
bailasse o sol com as pombas,
as brancas águas com a luz,
e os ares mansos com as rosas.
Que nelas claras se vissem
a espuma das verdes ondas,
do céu as brancas estrelas
que terá as plantas formosas,
as névoas de cor sombria
que lá nas montanhas voam;
os pios do triste mocho,
as campainhas que dobram
a primavera que ri,
e os passarinhos que voam.
E canta que canta, enquanto
os corações tristes choram.
Isto e ainda mais quisera
dizer com língua graciosa;
mas onde a graça me falta,
o sentimento me sobra.
Entretanto isto não basta
para explicar certas cousas
que, às vezes, por fora um canta
enquanto por dentro chora.
Não me expliquei qual quisera:
sou de pouca explicação;
se graça em cantar não tenho,
o amor da terra me afoga.
Eu cantar, cantar, cantei,
a graça não era muita,
mas que fazer — desgraçada! —
se não nasci mais graciosa.
Rosalía de Castro
(1837-1885)
escritora e poetisa espanhola. Considerada como a fundadora da literatura galega moderna
Comments