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“Aprender, desaprender e reaprender” e “MORTE” Bug Sociedade


Joana Peixoto, Ato de escalar representa enfrentamento de obstáculos por parte das mulheres

“MORTE” Bug Sociedade

Estamos sendo atravessados pela morte o tempo inteiro. Desde a internet, desde antes da internet. No fim de semana, a morte veio buscar Jayme Figura, um “diferente”; talvez um dos mais diferentes, entre os diferentes.

Não. Não era um diferente ao qual qualquer pessoa fosse acostumada a ver. Era um “cavaleiro andante”, sem o cavalo. Um Exu, sem o poder. Mas tinha magia, o carisma. Ah, se tinha... Encontrar com Jayme andando com sua armadura em plena Salvador, no Pelô, conversar com ele, ver suas obras, era como entrar nos livros mais fantásticos do mundo.

Na pandemia nos aproximamos ainda mais – ele estava morrendo de medo de ficar doente, não dava pra vender nenhuma escultura, pintura – e assim, não dava pra comer. Não sei quem esteve ao seu redor, mas a gente aqui de casa pode usufruir dos papos e dos amigos que ele ia semeando ao nosso redor.

- Deixe o saco na loja de fulano; em tal lugar não, que “não é de confiança”.

E lá íamos nós, mês a mês, ao nosso encontro marcado. Depois o Pelourinho ficou terrível pra parar, tínhamos que fazer cada vez mais peripécias e acabamos por inaugurar nossas “soluções online” – afinal, Exu é rápido, é comunicação.

Fim da pandemia, cada um voltou pra sua vida. Nós duas, aqui em casa e o Jayme. Pouco o vimos depois do final da pandemia, eventualmente um zap. Mas saber que não vamos ver nunca mais a sua armadura andando pelo centro da cidade é a certeza de que muitos vazios não são ocupáveis – não existem mais cavaleiros andantes pelo mundo.

Nos sobra a saudade, sua sinceridade em assumir grandes medos – muitas pessoas lhe jogavam pedras – e nossa amizade, que nos aproximou mais sempre nas horas certas.

O mundo vai continuar dando medo na gente – as crianças palestinas vão continuar presas nos escombros bombardeados, sendo operadas sem anestesia, algumas outras, com 9 anos apenas, vão continuar sendo aprisionadas por reclamarem desesperadas, mas dessa vez sem Jayme Figura, sem cavaleiros andantes, sem a potência dos Exus – estarão mais sozinhas, com menos sonhos e fantasias. O mundo ficou menos colorido sem você. Mais sem graça também.

Que Exu o receba.

Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV


“Aprender, desaprender e reaprender” Bug Sociedade

Ana Moura afirma: “Engavetar uma artista é matá-la. Até porque não somos só uma coisa a vida inteira. Estamos sempre em constante transformação" e precisamos aceitar e usufruir disso. Todos. Não sabemos ser várias possibilidades nem nos lembramos que isso é possível tão presos estamos a aprendizagens de sermos bons apenas numa coisa. Facilmente criticamos e apontamos incompetência em quem muda, quem se transforma, quem arrisca ser mais de uma coisa. E afinal basta a vida te colocar dificuldades na frente, para rapidamente precisares de ser capaz de fazer outras coisas – que nunca imaginaste ser capaz de fazer. Tantas pessoas “civilizadas” criticaram o celular, as redes sociais, a inteligência artificial, o homebanking, o marketing, etc. E tiveram de aderir. Alguns até ficaram viciados. Primeiro estranha, depois entranha, diz o ditado.

Os funcionários públicos, protegidos pelo sistema, sem perceberem que o mundo cá fora é outro, têm trabalho e salário mais seguros mas nem dão conta que são “achatados social e psicologicamente” para serem trabalhadores que repetem e cumprem as normas e os planos estabelecidos. Uma armadilha silenciosa. Chegarão à aposentadoria, sem capacidades, com muito menos do que esperavam – salário, apoio médico, etc – e sem entenderem o mundo que existe fora do sistema que os toldou durante mais de 40 anos de trabalho. Como aqueles prisioneiros que desejam enormemente sair da prisão nos primeiros 10 anos, quando completam 20 anos, ou 30 – e lhes é recusada essa possibilidade - e quando já estão há 40 anos na prisão – e se resignaram e adaptaram - lhes permitem a liberdade e essa liberdade se torna uma prisão porque desconhecem o mundo lá fora. Alvin Toffler é enfático: “Os analfabetos do século 21 não serão aqueles que não sabem ler e escrever, mas aqueles que não sabem aprender, desaprender e reaprender.” O relatório do Fórum Econômico Mundial de 2023, sobre o futuro do trabalho, aponta “Lifelong learner” – aprender constantemente ao longo da vida – como uma das habilidades mais importantes para um ser humano.

Mais um alerta: cuidado com as facilidades. Quando seus filhos, sua vida, tudo ao seu redor está fácil, ligue o sinal vermelho. Algo está errado. As crianças que não sentem dificuldades, não estão a aprender. As pessoas que enfrentam tudo com muita facilidade, não estão a evoluir. Educação baseada apenas em elogios e sorrisos – os colégios privados são bons a fazer isso – forma incompetentes. Trabalhos que já aguardam os adolescentes terminarem o curso – famílias poderosas são boas nisso também – fazem adultos preguiçosos e imaturos. Degradam-se as sociedades, os serviços. Por outro lado, famílias e amigos que não elogiam, que não sabem incentivar, que não sabem proteger, ou apoiar, não sabem respeitar o caminho que cada um tem a coragem de fazer, mas que sabem bem criticar, menosprezar, ridicularizar, humilhar e excluir – também se confundem com a lama onde estão enfiados e envenenam as relações e a sociedade. Uma vez ouvi uma comparação curiosa de algumas sociedades, famílias e/ou relações de trabalho entre pessoas, com um balde cheio de caranguejos, onde todos tentam sair, mas não se ajudam nem se juntam para facilitar a saída de todos. Quando algum está quase conseguindo sair do balde, um dos outros vai lá e pendura-se tentando pegar carona ou apenas o puxa para dentro do balde. E assim, vão ficando todos dentro do balde com vontade de sair, mas....sem sair.

Cada um está só nesta vida. É verdade. Num barco furado em direção à Europa, refém do Hamas, envolvido ou ferido em alguma guerra, desempregado, morando na rua, afogado em contas para pagar, sofrendo violência familiar e achando que é tudo culpa sua, tapando a tristeza com selfies, cheio de luxos mas vazio de intenções, com traumas, mágoas, tristezas, etc. Mas procurar os caminhos fáceis muitas vezes provoca a repetição de “ano” na vida. Quem sabe, talvez ajude experimentar aprender, desaprender e reaprender. E rezar para que os outros também experimentem. Porque é triste encontrar uma pessoa desconhecida na rua e ela, do nada, falar de Portugal como se fosse apenas um ponto turístico no mapa e fechar a conversa com: “esta terra devia ser maravilhosa antes de vocês virem para cá”. Eu concordo em absoluto com a mágoa, mas eu não fiz isso. Não fui eu. Mais triste ainda, num passeio de sábado à tarde, 3 crianças que nunca viste, perguntarem o que estás aqui a fazer, afirmarem que era melhor ir embora para a minha terra e finalmente, pedirem para eu lhes devolver o seu ouro. De novo, concordo em absoluto com a mágoa, mas não fui eu que fiz isso. Julgo que não é esse o caminho. Aprender, desaprender e reaprender.

“O ser humano ergue barricadas contra si próprio”, diz-nos Rabindranath Tagore.

Ana Santos, professora, jornalista

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