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A verdade na poesia


Aproveite a poesia para escrever o que não consegue dizer. Aproveite para dizer a verdade que não consegue dizer na vida e por isso o magoa tanto. Aproveite para ser outra pessoa, ser de outra forma. Experimente, liberte, solte, derrube.


1. Poesia indicada por Maria Lúcia Levert


“Lamento para a língua portuguesa”


“não és mais do que as outras, mas és nossa,

e crescemos em ti. nem se imagina

que alguma vez uma outra língua possa

pôr-te incolor, ou inodora, insossa,

ser remédio brutal, mera aspirina,

ou tirar-nos de vez de alguma fossa,

ou dar-nos vida nova e repentina.


mas é o teu país que te destroça,

o teu próprio país quer-te esquecer

e a sua condição te contamina

e no seu dia-a-dia te assassina.


mostras por ti o que lhe vais fazer:

vai-se por cá mingando e desistindo,

e desde ti nos deitas a perder

e fazes com que fuja o teu poder

enquanto o mundo vai de nós fugindo:

ruiu a casa que és do nosso ser

e este anda por isso desavindo

connosco, no sentir e no entender,

mas sem que a desavença nos importe

nós já falamos nem sequer fingindo

que só ruínas vamos repetindo.

(...)

(...)

agora que és refugo e cicatriz

esperança nenhuma hás-de manter:

o teu próprio domínio foi proscrito,

laje de lousa gasta em que algum giz

se esborratou informe em borrões vis.


de assim acontecer, ficou-te o mito

de haver milhões que te uivam triunfantes

na raiva e na oração, no amor, no grito

de desespero, mas foi noutro atrito

que tu partiste até as próprias jantes

nos estradões da história: estava escrito

que iam desconjuntar-te os teus falantes

na terra em que nasceste, eu acredito

que te fizeram avaria grossa.


não rodarás nas rotas como dantes,

quer murmures, escrevas, fales, cantes,

mas apesar de tudo ainda és nossa,

e crescemos em ti. nem imaginas

que alguma vez uma outra língua possa

pôr-te incolor, ou inodora, insossa,

ser remédio brutal, vãs aspirinas,

ou tirar-nos de vez de alguma fossa,

ou dar-nos vidas novas repentinas.

enredada em vilezas, ódios, troça,

no teu próprio país te contaminas

e é dele essa miséria que te roça.


mas com o que te resta me iluminas.”


Vasco Graça Moura


2. Poesia indicada pelo Bug Latino


“Sobreviverei”


“Tão só, que no inverno azul

a roupa rompe o véu

Tão só, que ficou sem luz

sem vida e sem consolo.


Tão só, deserdada e sem dinheiro.

Tão só, como uma estrela que cai do céu.

Tão só, em frente a um abismo que habita o medo.


Sobreviverei

Mesmo que a vida me aceite no seu golpe mortal

Mesmo que as noites de névoa

Me façam olhar

Esta vida que tenho

E que é a minha


Sobreviverei

embora as ondas do tempo queiram me matar

embora a dor me afogue

todo despertar

eu sobreviverei

com essa vida que eu tenho

e que é minha.


Tão só, embora quisesse olhar

ninguém encontrava.

Tão só, embora quisesse gritar

o choro a silenciava.


Tão só, sem ilusões, rompeu o véu.

Tão só, frente a uma noite

sem luz nem céu.”


Letra e música de Paco Ortega

(Tradução livre de “Sobreviviré”)


PABLO ALBORÁN - 'SOBREVIVIRÉ' | Premios Goya 2020


3. Poesia de Teresa Vilaça


“LIBERDADE”


“Em questões concretas

faz-se a liberdade


Olho em torno

Vivencio

Observo atentamente


Livre em relação a que?

Para quem?

Como?


O mundo se apresenta

em seu real

Vejo, escuto, conheço

Que reação escolho?

A quem servirei com minha resposta?”


T.Vilaça

Salvador, 23 de outubro de 2020

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