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A ARTE DE NOS SUBTRAIR DAS PISTOLAS D’AGUA” e “A Cultura interessa?” Bug Sociedade

Foto do escritor: portalbuglatinoportalbuglatino


Busto de Francisco Goya feito em bronze pelo escultor José Luis Fernández-Prêmio Goya

“A ARTE DE NOS SUBTRAIR DAS PISTOLAS D’AGUA” Bug Sociedade

Tenho me feito muitas perguntas sobre a forma como as atividades municipais e estaduais podem conduzir a novos questionamentos.

Nós temos a arte e cultura que nos estimulam o pensamento, fazem perguntas difíceis e muitas vezes mudam a nossa forma de agir e pensar ao causarem o desconforto necessário. Isso é vivo e imortal, atravessa décadas nos estimulando. Jorge Amado e Saramago fizeram isso. O mal estar de ver a essência do amor puro saindo mais dos pés descalços das putas do Pelô, do que nos seus salões aristocráticos, me toca. Colocar Jesus e Deus no mesmo barco, discutindo porque é inadmissível aceitar que o Diabo se torne bom, diante do desafio de mudar a ordem vigente no mundo, me toca.

E tem a cultura de consumo, da sociedade de consumo, do consumo, do consumo: de cerveja, de mulher, de briga, de preconceito – mas tudo de consumo.

Vi no Instagram um político baiano falando mal do governador, por ele ter proibido as pistolas d’água, mas esquecendo que naquele bloco, só com água, se praticava assédio contra as mulheres, historicamente – mais uma mulher sofreu estupro coletivo, ainda nesse carnaval. Como tirar os homens da armadilha do machismo mal disfarçado por princípios conservadores? Afinal, o que é conservador? Do meu ponto de vista, significa a manutenção de hábitos sociais tradicionais. Quando você percebe que as mulheres estão sendo massacradas, insistir em falar mal de qualquer trabalho que tire os homens dessa paralisia emocional é engrandecedor ou, ao contrário, te apequena, ao te insensibilizar? Isso é uma opinião ou a crítica não tem importância, se você só deve procurar qualquer motivo para se opor? Ser oposição então é a mesma coisa que ser implicante, antipático. Do contra.

Mas... e nós? E o povo?

Em algum momento, alguém sente algo para além do mal estar e transforma em palavras, em música, em quadros... arte e cultura nascem desse mal estar.

Creio que todos nós sentimos mal estar, atualmente. O mundo está abafado, mau, primitivo, com reações abruptas e grosseiras, em meio a diferenças cada vez maiores. Tudo isso acontecendo e de alguma forma, alguém acha que xixi hétero e LGBT são assuntos, enquanto há estupros coletivos, há homens machistas que precisam ser reeducados, há uma sociedade inteira que reclama do assalto, mas nunca se pergunta como nunca paramos de fabricar tantos ladrões...

Aliás, o próprio reclamar já me incomoda cada vez mais. Quem reclama, o faz para quê? Para quem? Não há uma ação mais concreta do que sentar e colocar defeito em tudo o que existe e é nascido? Apenas torcer o nariz basta? Vamos consumir a ideia de que o tradicional discorda? Só isso? E veja, eu sou do time dos idosos. Mas quando ando pelas ruas no carnaval e vejo tantas pessoas dormindo pelo chão, depondo que se sentem humilhadas pelo tratamento que recebem, eu me sinto humilhada também – o tal mal estar. E não ver relação entre machismo e as pistolas d’agua me incomoda. Muito. Não conseguir ver o resultado de centenas de homens molhando uma mulher, sua roupa colada no corpo, junto com o machismo que nos objetifica é... perturbador.

Por isso, prefiro a liberdade de não ser nada de nada – nada tradicional, nada além de humana.

Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV

 

“A Cultura interessa?” Bug Sociedade

O Carnaval é um acontecimento muito importante e valioso no Brasil. Fato. O que cada brasileiro faz durante esses dias é que é muito surpreendente. Tem os que são apaixonados pela festa, os que cantam, os que tocam, os que produzem, os que limpam, os que estão envolvidos no negócio, os que fogem para as praias ou se refugiam em casa, os que fogem para a Chapada Diamantina, os turistas do país, os turistas de outros países. E tem os malandros – uma mulher foi apanhada com 16 celulares roubados na sua bolsa, por exemplo – cada um tentando fazer o seu negócio.

No meio disto tudo que lugar existe para a cultura? E o que é cultura para cada um? É impressionante como o Brasil tem diferentes e opostos olhares sobre ela. Em Salvador por exemplo, é multidão, som alto, muita bebida, muita selfie e saltar até à exaustão junto do trio dos artistas amados. O Rio de Janeiro – e São Paulo tem vindo por esse caminho – tem o mais do que célebre Campeonato de Escolas de Samba. Para alguns é um campeonato, para outros turismo, mas para a maioria das pessoas é cultura. Profunda cultura. Desde a preparação das roupas, os tecidos, o tema do enredo, as letras e as composições das músicas, as danças, o propósito – político, social, histórico, humano – tudo isso implica muita pesquisa, muito trabalho, muita sabedoria. Mas todos os anos se faz, se mexe, se reinventa a história, se amacia o olhar sobre o que é doloroso, se aponta o dedo ao que está na direção errada.

E é aí que chega a doer ouvir a letra da música “Macetando”, de Ivete Sangalo, que provavelmente será a música do Carnaval 2024, de Salvador. Em que é que essa letra melhora o mundo? Porque ficamos sempre no mesmo lugar? Qualquer das letras e músicas dos sambas das escolas do Rio de Janeiro são tão diferentes. Generosas, umas, instigantes, outras. Mas todas nos estimulam a refletir, a melhorar nosso olhar e nossas ações no mundo. Como um país tem olhares tão opostos sobre a cultura? Os anos passam, as ações precisam acompanhar os anos.

Um homem apenas, Lin-Manuel Miranda, fez um musical chamado “Hamilton”, onde conta a história de um dos pais fundadores dos Estados Unidos da América – Alexander Hamilton. Primeiro é obrigatório ouvir. Uma obra prima. Um registro patrimonial eterno de um país. Barack Obama fez-lhe um agradecimento especial em nome do País. A Bahia, com uma história tão difícil, mas ao mesmo tempo tão rica, como ainda ninguém foi capaz de ter a ideia e a capacidade de fazer um musical, uma peça, um filme, um registro artístico e cultural da história deste lugar tão mágico? Mais “Macetando” não por favor.

Este final de semana aconteceram os Prêmios Goya em Espanha. Que show deram os espanhóis. Civilidade, bom senso, coesão, gentileza, patriotismo, ações de equidade em todos os momentos. Uma homenagem linda a Sigourney Weaver, Salvador Sobral e Sílvia Péres Cruz cantaram uma música fabulosa durante a homenagem aos que partiram, 12 estatuetas ganhas pelo filme "A Sociedade da Neve", de Juan Antonio Bayona, dois apresentadores deliciosos, o comentário acutilante e educado de Pedro Almodóvar sobre a necessidade de apoio dos governos, o discurso da diretora da academia, o discurso do presidente da academia e muitos momentos mais. Tudo foi lindo. Mas destaco um pequeno detalhe: quando os apresentadores se dirigiram aos mais novos que assistem pela televisão, dando os seus exemplos de vida. Um comenta que ao assistir pela primeira vez pela televisão a este momento percebeu que era tudo muito aliciante e atraente e queria fazer parte desse mundo para sempre. O outro referiu que os prêmios Goya sempre o instigaram a avaliar a sua vida, o que realmente quer e a alterar o que precisa ser alterado e ir em busca do que realmente deseja fazer. Muito tocante. A Espanha é um dos Países referência em cultura, em cinema. Não é errado apender com quem faz bem.

A cultura com valor dá muito lucro – aos países, às empresas, aos governos, aos artistas. O estado da cultura mostra a saúde de um povo. E ela não é garantida, nem a saúde nem a cultura. Pode também ser a forma de um país se transformar, se fortalecer mundialmente. Todos sabem disso. Porque se faz sempre as mesmas coisas?

Ana Santos, professora, jornalista

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