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2 Contos sobre visibilidade Trans


Conto “O TEMPO DO HOJE, É HOJE”

Levantou os olhos da TV. Gente, o mundo estava totalmente desequilibrado, com aquele presidente anti tudo o que vale à pena investir falando. Nem vale à pena adjetivar: Anti-vida, antivacina e anti-trans, anti-lésbicas, anti-gays, anti-negros e mulheres. Um anti-felicidade. Anti-liberdade. Anti-tesão pela vida. BECS!


Tsc, tsc, tsc – deu logo um sorriso: será que os portugueses saberiam ler um “muxoxo”? As inúmeras diferenças de idiomas perpassaram seu pensamento – podia ser difícil ou fácil apontar a evolução/revolução social que estava sendo implementada no mundo – bastava escolher o lado. Os Países – o Brasil também e muito – não eram capazes ainda de simplesmente conviverem com as diferenças humanas. Mas já foi pior. Elas já foram totalmente proibidas, com gente presa e assassinada. Ok, ainda existia isso no mundo... mas menos. E a tendência era que todos ganhássemos o espaço do respeito ao ser.


Pensou nas suas inúmeras amigas Drags, suas alunas maravilhosas – assistira momentos de genialidade com elas no palco, tivera o privilégio de preparar elencos de drags maravilhosas, de dirigir alguns espetáculos... de vê-las pensando um mundo mais generoso, mais colorido, mais amoroso, mais... gay. Mais trans.


Claro que na hora da passeata seria a primeira da fila e empunharia a bandeira em todos os lugares onde estivesse e fosse, mas é justo dizer que hoje o mundo conhece o arco-íris. Ele virou uma marca de orgulho e esperança de um mundo mais justo. Hoje, a passeata gay acolhe milhões – e mesmo com a COVID, a internet “se joga” no orgulho gay online, com trans exuberantes, como sempre.


Para cada ignorante, mais beleza, pra eles ficarem totalmente ofuscados - ela pensou. Para cada tentativa idiota de volta ao passado, apenas firmar os pés no presente e caminhar porque é caminhando que se é.


Pensou em algumas figuras não trans da política e que representavam um Brasil melhor, mais honesto e ela queria apontar para que todos soubessem quem deveriam procurar, na hora de votar: Randolfe, Fabiano, Rogerio e Alessandro. Pessoas que respeitam. Que sabem respeitar.


Mandou uma mensagem pra sua amiga “Alexia” – que honra pertencer ao seu círculo de pessoas, querida! Queria poder conhecer esses políticos também, mas essa coisa mega star de internet eclipsava a conversa real entre pessoas, o que era mesmo uma pena.


No fundo, no fundo, optar entre ter um corpo aceito pelos “mofados emocionalmente” ou ser feliz, se vendo como sua alma se percebe, não é – nem deveria ser – uma dor, porque o que está mofado, a vida já descartou. E a vida já descartou os radicais. Se olhou ao espelho e fez o gesto com os lábios - PUFF! - Meu Deus, até vi o pozinho tóxico subindo! Vou tapar o nariz, senão espirro! - Ela já sorria abertamente.


Colocou sua máscara. MÁSCARA, MÁSCARA, MÁSCARA! VACINA, VACINA, VACINA! RESPEITO, RESPEITO, RESPEITO! – E bateu a porta atrás de si.

Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV


Conto “Mais um”

Ana está de novo num enterro. De mais uma pessoa amiga. De mais uma pessoa especial na sua vida. E se pergunta o porquê de tanta violência, especificamente com pessoas travestis, transexuais e transgêneras de quem é amiga e que ama de coração. Qual é o problema? Qual é o incômodo? As pessoas não podem ser felizes se não forem iguais?


Ana sente uma enorme tontura tamanha é a dor, angústia, sensação de injustiça. Pessoas amigas que sofreram a vida toda, enquanto permaneciam fisicamente de uma forma que não era como se sentiam. Que lutaram para conseguir “combinar” a forma como se sentem com a “forma” como o seu corpo é, as roupas que usam, o nome pelo qual são chamadas. E alguém, do nada, só porque se sente incomodado, vem e tira as suas vidas. Com que direito?


Ana tenta descobrir razões onde não reina nenhum bom senso nem coerência. Essas pessoas se sentem atraídas por travestis, transexuais e transgêneras? Sentem inveja da sua felicidade? Da sua luta pela felicidade? Querem se relacionar sexualmente e emocionalmente mas apenas em segredo e quando alguém descobre, decidem “destruir” provas? O que pode acontecer no pensamento de um ser humano que o leva a não suportar a vida de outro? E a considerar que sua opinião é única? E que tem o direito sobre outras vidas?


Ana hoje foi caminhar com uma t-shirt que as amigas lhe deram. Tem muitas letras pequenas mas em letras bem grandes e coloridas, tem a palavra TRANS. Só por estar vestida com uma t-shirt, as pessoas olhavam a palavra e olhavam ela com reprovação. Uma, duas, três, .... Que coisa doida. Talvez achassem que Ana era Trans. E se fosse? Caramba, que loucura!!! Teve tanta vontade de confrontar as pessoas!!! De lhes perguntar o que elas têm a ver com a vida dos outros. Se vivesse no seu país faria isso, com toda a certeza. E sabe que mais pessoas iriam fazer o mesmo. Mas não vive e não tem o direito de falar. Segue a vida, triste e inquieta. Assiste a um imbróglio de preconceitos que parece não desaparecer jamais. As pessoas insistem em parecer modernas e sem preconceitos, na foto ou vídeo do Instagram porque descobriram que isso aumenta os seguidores. E se dá dinheiro, bora fazer de conta que sou assim. Mas na vida real, perdem a noção de respeito pelos outros. Total. Mais ainda pelos outros que mais precisam.


Está saindo do enterro e pensando que poderia existir uma megasena ou um euromilhões para quem conseguir descobrir uma receita de quebrar preconceitos de forma instantânea, como um spray ou mesmo uma espécie de abraço. E ouve um tiro. E outro. E mais e mais e gritos. E de repente percebe que um grupo de pessoas aguardava quem vinha do enterro para disparar tiros e tiros, gritando e rindo. Ana também foi atingida. O coveiro também. O senhor do Uber que transportou os avós, também. Os avós. Todos o que estavam no enterro.


O grupo está feliz. Tudo deu certo. Exatamente como aprenderam. A live que fizeram no momento da chacina, teve visualização de milhões de pessoas. Os vídeos que postaram, as fotos. Tudo rendeu um dinheiro brutal e podem todos viver como “Reis”. Sabem que daqui a um tempo as redes sociais vão retirar os vídeos, serão criticados por um tempo. Talvez até presos, mas com dinheiro para contratar “bons” advogados e com boas estratégias de marketing, até nisso podem ganhar muito dinheiro. Conseguiram o que queriam. Crianças e jovens assistem a tudo isto e aprendem e querem ser iguais e o mundo segue...ladeira abaixo...

Ana Santos, professora, jornalista


29 de janeiro, Dia Nacional da Visibilidade Trans

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