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2 Contos sobre Eles

Foto do escritor: portalbuglatinoportalbuglatino

Conto “POR QUÊ OS HOMENS MENTEM?”

- Será que todos os homens mentem assim, com essa cara de pau? Veem uma vagina e já começam a achar que a pessoa é totalmente estúpida e fácil de passar a perna, gente...

E lá estava o cara do telhado justificando o serviço mal feito, com desculpas terrivelmente esfarrapadas... O tempo seco, a chuva, o outono, o sol escaldante...

Suspirou. Será que ela ia conseguir se controlar daquela vez? Não.

- Você quer ser processado? Quer que eu coloque o que estou sentindo nas redes sociais? É só não entregar o meu telhado funcional, como era antes! Pois paguei uma fortuna pra me precaver do clima extremo e você me entrega isso! Isso! Sua cabeça é seu guia, viu? Vai parar no Bocão, você vai ver!

Serviço, em Salvador, era coisa de heroína pra aguentar até a coisa finalmente acabar e os caras irem embora.

Falava de si para si:

- Machismo é uma praga. Os homens não ouvem. Não ouvem nem a si mesmos. Não sabem trocar experiências. Qualquer coisa que nasça de feminino, não serve mais para ouvir. Se falam sozinhos, para quê falam? Por quê não ficam todos mudos, meu Deus!

E lá continuava o mentiroso do representante da firma “especializada em telhados” a mostrar sua verdadeira especialidade – mentir. Três meses de casa encharcada e justificativas insuportáveis.

- Vê como a madeira do telhado está molhada?

- Não é molhado, não! É uma mancha!

- E mancha pinga? – Será que ele acredita mesmo que todas as vaginas são idiotas?

No frigir dos ovos, eu me pergunto se a humanidade vai precisar de homens, no futuro... porque já tem esperma suficiente nos bancos de esperma. Pensando nisso, essa falta de capacidade de trocar experiências honestamente com o gênero feminino os levaria a extinção por falta de uso...

Na milésima mentira dos funcionários da tal “equipe especializada” – só de homens, claro – falei claramente que o serviço está mal feito. Um deles se ofendeu, como bom macho. Disse que ia embora. Quando viu o portão trancado, voltou e trabalhou. Nem levantei a voz. Só o queimei com os olhos.

- Mas cadê o chefe dele? Porque afinal todos se enrolam, todos se mentem. O chefe mente ao cliente e os funcionários mentem ao chefe.

Que impotência...

Sentou na escada e chorou. De raiva. Ódio.

Enxugou os olhos, abriu a agenda. Advogados. Vara do consumidor. Check!

Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV


Conto “Os que morrem em vida”

O cara foi estudar para a Europa e era destrambelhado, mas fofo. Fazia umas coisas muito doidas que a gente não estava habituada. Brasileiro na Europa, anos 80, cheio de novidades e sem nenhum temor. Fazia tudo o que tinha vontade, muitas vezes chegava a ser intimidador. Ia abrir a persiana da janela de cuecas – isso nos anos 80 em Portugal era chocante para as velhinhas que moravam no prédio em frente. O vizinho do lado também toda hora espreitava na porta e um dia até ouvimos:

- Quem é este agora?

Fumava maconha, gostava de uma cerveja, adorava uma discussão e vinha sempre com umas teorias contrárias a todas as opiniões presentes. Sempre. Parecia de propósito, só para testar o pessoal. Eram horas e horas de conversa e de enormes discussões. Tinha uma mulher que o enfrentava sem medo. Ele provocava, talvez por achar que essa mulher, por ter nascido numa aldeia, tinha de ser tacanha e ele, vindo do Brasil e de uma cidade, tinha de ser o iluminado. Era tudo meio estranho, as discussões eram demasiado brabas por vezes, e por vezes não terminavam bem, mas no dia seguinte todos acordávamos mais amigos e isso era muito bonito.

Aprendemos a amá-lo. O rebelde, o destemido, o instigador, mas o verdadeiro e amoroso. Era muito cativante esse lado verdadeiro e cru dele. Ele era assim, ele era aquilo, sem falsidade. Todos o colamos aos nossos corações. O cara que não tinha censura, não tinha travão. O cara que tinha uma luz, um sorriso e um carinho por todos.

As pessoas mais velhas criticavam-no muito, mas todos nós, os mais novos o defendíamos com “unhas e dentes”. Com a vida avançando as pessoas cada vez o criticavam mais e a gente sempre o defendendo, mesmo longe – ele entretanto tinha voltado para o Brasil para viver. O amor estava ali, vivo, pulsante e não podíamos admitir que o criticassem. Não ele.

A vida seguiu, o mundo girou. Eu fui viver para o país dele, a cidade dele. Percebi logo desde que cheguei que ele estava diferente. Ou o lugar o tinha tornado diferente. Ou a vida que tinha. Não sei, apesar de ter meus palpites. O que sei, de certeza, é que a luz que ele tinha dentro de si apagou. O que sei é que a verdade desapareceu. É uma pessoa muito educada e gentil, mas sente-se que é tudo postura social. Pertence ao mundo dos que anteriormente criticava. Penso que tem conforto financeiro, penso que é respeitado profissionalmente e pessoalmente, mas a pessoa que eu e os outros conhecemos morreu. Dentro daquele corpo vive outra pessoa.

A morte é dura. Leva os que amamos e o vazio que fica demora a acalmar. Aprendemos a entender e a aceitar porque a vida é assim. Mas a morte em vida é absurda. Estranha, triste e patética. Como um ser humano consegue virar aquilo? Viver aquilo? Ser aquilo?

O que os outros pensam mexe muito com as pessoas. Ter vergonha de não ter dinheiro faz as pessoas aceitarem coisas inacreditáveis. O vizinho iria repetir:

- Quem é aquele agora?

Ana Santos, professora, jornalista

 
 
 

1 comentario


aclraposo
13 may 2023

Muitas pessoas acabam morrendo em vida sem saber. É muito triste!

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