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2 Contos sobre Contos


Conto “A DONA DA HISTÓRIA”

“- Meu Deus! Como vou acabar esse capítulo? Mato o mocinho? Queria ter um Jorge Amado particular!


Com 15 anos, tudo é drama – pensou a mãe de Júlia ao passar pela porta do quarto e vendo-a de relance, falando sozinha, pela enésima vez naquele dia.


- Posso ajudar, filha? - Ela sabia bem a resposta:


- NÃO, MÃE! Que droga! Você não vê que é uma busca íntima, minha?


E assim, as crises de criação se mesclaram à história dela. Faziam parte de sua personalidade questionadora e que muitas vezes teimava em isolar-se de todos, que acabaram se acostumando com seu gênio de tempestades e raios e trovões.


- CLARO QUE NÃO!


- Nossa, esqueci... Estava aqui tão distraída no casamento de Maria que me passei... Sim, a Maria é do livro novo!


Os anos foram passando e Júlia aprendeu a mergulhar na escrita como uma viagem, onde os dramas eram compartilhados de forma didática – nada parecido com a forma da vida real: súbita, terrível. Em cada livro, doses equilibradas de dor, perda, luto, tempestade e escuridão, equilibravam a felicidade, o amor e a companhia. O equilíbrio da vida vinha do reconhecimento dos desequilíbrios. Nos seus livros ela foi branca, negra, viúva, assassina, prostituta, astronauta, chefe de estado, grávida, enlutada, apaixonada. Ali, seus desígnios eram infinitos, sua juventude eterna e seus meios, universais.


Haveria melhor prêmio do que o destino?


Sua mãe se foi, seus filhos vieram. Com os filhos, as rugas. Desamarrou-se de coisas, amarrou-se à outras. Viu e falou de mudanças e de civilizações. Viu o planeta quase morrer, políticos mentirem, chafurdarem, afundarem.


Anos depois, ajeitando os óculos, olhou a tela do computador pela bilionésima vez e pensou, como de costume:


- Meu Deus! Como vou acabar esse capítulo?


Mato ou não mato o mocinho? Queria ter um Jorge Amado particular!


Segue a vida, em seus sonhos loucos...

Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV


Tema 1

Conto “Chiziane”

Ana adora ouvir histórias, acasos, situações que aconteceram a outras pessoas. Talvez porque faz parte de uma grande comunidade. Não sabe bem. O que sabe é que quando alguém começa a contar uma história, o mundo de Ana pára. Todo o sofrimento, todos os problemas diários desaparecem. E por um instante, a vida é bela. Por um instante seus pensamentos e preocupações se acalmam e gosta de viver.


Tem algo no olhar, talvez um brilho ou um voo que a cativa nas pessoas quando elas contam essas histórias. Elas vão para outro lugar e a levam com elas. Palavra por palavra, emoção por emoção. E, nesse instante, ela se imagina nesse lugar, onde a pessoa caiu, ou se enganou, ou esqueceu algo importante, ou aconteceu algo bem engraçado e inusitado. Como é gostoso isso. Tem umas pessoas que demoram mais a contar, outras que demoram menos. Tem pessoas que contam exatamente o que aconteceu, e outras que enriquecem a história. Tem histórias que ficam para sempre e outras que esquece no minuto seguinte. Mas todas são para ela fascinantes.


Uma coisa ela percebeu. Não quer viver sempre esta vida dura, sofrer a todo o momento. Mesmo que a sua vida tenha de ser assim para sempre, ela também vai ser contadora de histórias. Histórias que viveu ou conheceu, que vai viver ou inventar. Será a forma mais bela que escolheu para viver momentos felizes, sempre que desejar – escrevendo, falando, pensando. Será uma forma de decidir quando estar feliz ou triste. Para fugir da dor e da injustiça que surgem constantemente na sua vida.


Nas suas histórias ela escolhe, ela decide, ela diz não, diz sim, ela pensa e tem opinião. Ninguém a chamará negra feia, ou esse tipo de coisa sem jeito que a faz sofrer e chorar muito. Poderá fazer sempre parte dos piqueniques, das festas, das conversas. Poderá ouvir que é bonita, simpática, boa pessoa. Poderá olhar as pessoas como influências boas. Poderá viver num mundo justo, onde terá sempre comida na mesa, onde os dias serão serenos, confortáveis e felizes. Onde se sentirá amada, respeitada e onde poderá escolher as pessoas que vivem com ela ou que decidem sobre a vida dela. Onde não precisará de esfregar a sua pele no banho até fazer ferida. Onde se sentirá feliz por ser como é. Onde, quem sabe, poderá falar tão bem, escrever tão bem e ser tão feliz e se sentir em paz como Paulina Chiziane.


Entretida nos seus pensamentos, pára e escuta com muita atenção quando, da sua janela, ouve na rua:


- Amigo, há quanto tempo não vejo você!


- Quanta saudade amigão!


- Sempre lembro aquele dia...


- Qual deles?


- Aquele em que nós....

Ana Santos, professora, jornalista

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