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2 Contos: “NATAL DE SANGUE” e “Como posso ser um jogador de futebol?”

Foto do escritor: portalbuglatinoportalbuglatino

Adália Alberto

Conto “NATAL DE SANGUE”

Antes mesmo que a árvore de Natal fosse montada e a alegria de sonhar um mundo melhor começasse a brotar de dentro de si, estampidos – pá, pá – 11 vezes. Nas costas. E um pobre ladrão trapalhão, que escorrega em tapetinho de mercado, que rouba barra de sabão, foi assassinado por um policial.

- Isso é crime pra uma reação assim?

Caso isolado, ouviu.

“Criança de 4 anos assassinada em tiroteio, polícia joga rapaz de uma ponte por... nada (bem dizer), idosa espancada pela polícia por... perguntar porque eles estavam espancando seu filho, noiva assassinada a vinte dias de seu casamento, sentada no banco da praça, mãe assassinada enquanto esperava filho sair do barbeiro”, blá, blá, blá sangue; blá, blá, blá mais sangue, famílias infelizes, lares arruinados, governadores com cara de cachorro que quebrou o pote, polícia descontrolada, incontrolável.

- Criminosa.

Casos isolados, ouviu.

Ouviu o governador dando desculpas esfarrapadas. Mas não era só aquele; eram muitos, de muitos estados. Porque todos amam “mandar, se mostrar”, mas odeiam o ônus da liderança.

- “Sinceramente, eu tenho muita tranquilidade com relação ao que está sendo feito. E aí o pessoal pode ir na ONU, na Liga da Justiça, no raio que o parta que eu não estou nem aí” – disse o mesmo governador há poucos meses atrás, depois do assassinato em massa de pessoas pobres, em batidas policiais sangrentas, lá em Santos.

- Porque é uma procissão de mortos pobres que se descontrolou e virou “bora assassinar quem abre a boca pra reclamar!”.

E os tais eleitores – pobres cegos – continuam gritando “bandido bom já morreu”, sem perceberem que o filho do médico que “criminosamente” deu um tapa no espelho do carro da polícia, foi caçado e assassinado – igualzinho aos pobres.

- Caçado e assassinado - é a norma.

- Eu tenho vergonha, nojo, asco, desprezo por esse tipo de político e tenho medo da polícia. Eu pago os dois e não vejo nada que me dê mais prejuízo do que gastar com algo que não se quer. Porque “eu não estou nem aí pra esse governador paulista também!” Porque eu queria “demitir” esse cara imediatamente.

- Ando cansada de trocarem respeito por medo e a gente ter que aceitar porque não quer morrer. Em algum lugar dessas políticas tem que haver a palavra consideração, gente.

E chegou o Natal. Com um filho fugido, com medo da polícia que o jogou da ponte sem motivo, com o policial preso sem saber porque afinal ele jogou o garoto ponte abaixo, com psicopatas travestidos de uniforme, com a cabeça rachada pela cacetada que o covarde do soldado desferiu, com a vergonha da mãe do soldado sem princípios que bate em velhas. Jingle bell, Jingle bell, acabou o papel, não faz mal, não faz mal, limpa com jornal...

- Limpa as lágrimas, o sangue, o medo, o horror, o trauma, a raiva de ver a cara do governador tripudiando do patrão – o povo.

- De novo.

 Cuspiu no chão da rua sem luz – privatizada por um governador histérico, dando marteladas descontroladas na bolsa de valores.

- Deu na TV.

Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV

 

Conto “Como posso ser um jogador de futebol?”

- Mãe?

- Sim, meu querido filho?

- Como posso ser um jogador de futebol?

- Por que pergunta isso meu filho? Você não é já um bom jogador de futebol?

- Sou. Mais ou menos.

- Me explique.

- Não sei se consigo.

- Tente.

- É que Mãe, eu me faço sempre essa pergunta! Como posso ser um jogador de futebol?

- Ok. Continue.

- Eu gosto muito de jogar, de treinar, das sensações que tenho.

- Entendi.

- Mas Mãe...

- Sim, filho...estou aqui...

- Não compreendo...

- O quê?

- Por que não é apenas isso, o lado bom.

- Tudo tem dois lados, filho.

- Sim, mas o lado dois do futebol é horroroso.

- Como assim?

- Todos se queixam, todos se atiram para o chão a gritar, mesmo quando ninguém lhes tocou. Brigam uns com os outros por pura vaidade, brigas de egos. Não jogam mais o jogo, jogam outras coisas. Se provocam, falam mal, imensos palavrões, cabeças repletas de preconceitos. Imenso machismo. Os gays escondem-se por todos os lados para não serem excluídos. Tem jogadores que só provocam, só brigam, só estão no campo fazendo coisa errada. Olha Mãe, tem tanta coisa errada que isto é apenas uma pequena parte dos meus problemas. É por estas coisas que não sei se consigo ser um jogador de futebol. Nem sei se quero.

- Ai filho, que agora também sou eu que não sei se quero que você fique igual.

- Ganho muito dinheiro Mãe.

- Sempre vivemos com pouco. Podemos continuar a viver.

- É verdade...

- Escolhe outra modalidade filho, quem sabe você também tem talento e se sente melhor.

- Tem razão Mãe. Vou fazer isso. E agora vou comer papa de milho com muito gosto – Mil vezes melhor que lagosta.

- Mil e uma filhote. Faz para mim um pouco também. Adoro comer essa papinha junto de você.

 Ana Santos, professora, jornalista

 
 
 

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