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2 Contos: “MUITO PERDIDO” e Conto “Abril, problemas mil”


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Conto “MUITO PERDIDO”

- Terremoto em Taiwan, cruz credo. Japão também, é? Magnitude 6!

- Não. Aí você endoidou. Também teve terremoto em Nova Iorque? New York City tem terremoto, por acaso? 4,8 graus... Quem diria...

Na verdade, as pessoas devem fingir que se surpreendem, só pra fazerem pose na frente da TV de casa porque nos detivemos em destruir tudo o que era possível no mundo e nas pessoas.

- Cada detalhe!

Meio ambiente só rindo. Além de lixo pra todo lado – no mar, na terra e no ar – havia a modalidade destruição - e os Estados Unidos ou destroem o que se mexe ou apoiam os que estão destruindo.

No caso da Palestina, além de tudo o que havia de concreto e palpável como casas, carros, hospitais, ruas e escolas, eles apoiam os que destroem também o impalpável – gente, crianças, mulheres, velhos, emoções, sentimentos - todos. Tiros, bombas, fogo, drones explosivos, soldados assassinos e aquele vale tudo que não deixa nada vivo ao seu redor. E claro, com aquele ar de “quero o melhor pra você, Palestina, mas o que eu posso fazer se o meu melhor amigo é seu pior inimigo”?

- Quem pensa em poluição, o Putin? O Netanyahu? Alguém que esteja bombardeando alguém para e pensa:

- Estou ajudando a destruir o planeta que já está com esse problemão de clima extremo. - Claro que não!

A mentira já virou praticamente lugar comum. Ganhou nomes novos, diferentes e pomposos, mas lá está, exatamente como eu aprendi em criança:

- Mentira é mentira, verdade é verdade.

Não adianta inventar novas formas: desinformação, narrativa, pós verdade, fake News – nomes feitos pra enganar “otário” porque no frigir dos ovos a coisa é bem fácil. Não adianta vir o político, o pastor, o patrão e tentar virar a cabeça dos coitados falando em promessa, diabo, pecado, demissão, desemprego ou ira divina porque quando Deus mandou Jesus, a coisa zerou.

- Tudo pra mim dá no mesmo: promessa, pecado e desemprego; política, inferno e economia porque esses caras mentem direto. Tem pastor dando ataque de pelanca quando deveria estar pregando amor, do mesmo jeito que tem patrão vinculando voto com emprego. E aí, na hora H das voltas do mundo, até Nova Iorque ganha terremoto, São Paulo e Rio de Janeiro ganham gente morta de dengue, de tiro, de polícia, de ladrão. Mas os políticos não dão um plano de segurança decente pra gente!

- Tiro é tiro. Mata quem passar na frente dele.

Sentiu uma coisa. Revirou os olhos.

- O mundo tá é perdido. O mundo ta jurado! E quem jurou o mundo fomos nós mesmos. Uma ameaça e um passo mais próximos da destruição. Todo dia mais perto da destruição. Desconjuro.

- Pé de pato mangalô três vezes!

O céu estava azul. Ninguém poderia imaginar que cada vez esquentava mais num polo e esfriava mais o outro. Ninguém poderia imaginar o aumento dos vulcões e terremotos, o gelo derretendo nos polos, os ventos, ciclones, furacões, os maremotos e tsunamis pipocando, pipocando...

- Todo mundo morrendo mais rápido e ninguém percebe porque estão sempre muito ocupados se mostrando na internet...

- Muito riso, pouco siso, muito riso, pouco siso, muito riso, pouco...

Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV

 

Conto “Abril, problemas mil”

Viver, o que é? O que significa? Quantas vidas cabem dentro do nosso peito? Que vidas te fazem bem e que vidas te adoecem? Como se deve viver? Como sabemos que esta ou aquela é a melhor decisão?

Ao final de um dia extenuante, de tomar um bom banho e de jantar, olha o céu majestoso e estrelado e sua cabeça pipoca de interrogações.

Já sentiu a bondade da vida. Já sentiu a podridão humana. Sabe que por vezes é fácil viver, construir e conseguir. Outras vezes, por mais que se insista, a coisa não desenrola, não acontece, tudo quebra, tudo se desfaz. O que acontece às pessoas nem sempre é justo. Por mais que se esforcem, que sejam ótimos seres humanos, quando a vida trava, trava. Pergunta muitas vezes o que deve fazer quando tudo empurra em direção a um abismo, ou tudo piora exponencialmente. Leu, um destes dias, a mais atual definição de inteligência: “...é o que fazes quando estás perante uma situação em que não sabes o que fazer. Sempre que consegues resolver um problema novo.” Parece entusiasmante seguir esse jeito na vida. Como um quebra-cabeças. Sem desesperar no meio da tormenta.

Enquanto uns têm medo que o tremor de terra destrua tudo o que têm, outros se assustam com as monções e suas chuvas tremendas que carregam tudo na sua frente.

Hoje aquele menino voltou a tocar na sua porta. Hoje ele vinha diferente. Hoje a sua fome era fome, não era necessidade de alimento. Hoje seus olhos vinham baixos, hoje não tinha sorriso, sua voz saiu sussurrada. Não sabe quem tinha mais vergonha, se seria ele ou se seria ela. Queria lhe dizer que tem sempre muito cuidado com os alimentos. Nunca estraga nada do que consegue comprar. Porque é assim que deve ser, mas também depois de o conhecer, a ele e muitos outros com quem se cruza diariamente. Mas logo hoje que ele veio, foi o dia – depois de muitos anos – que deixou estragar uma melancia. Que inteligência existe nisso? Ela tem desculpa? Aqueles olhos lhe disseram que não. A boca engasgada e seca, mastigando o pão com queijo, depois de o rasgar com a boca – nem perto de trincar. Foi diferente. Tudo é diferente quando a vida te toca, te esmaga, te suga.

Ou essa mesma vida pode ser cômica, como quando foi tentar saber quem seria o “marginal” que estacionou aquele carro velho e descuidado, em cima da calçada da sua casa. Nunca ninguém tinha feito isso. Nem seu pai faz isso quando a visita. E não é que o dono afinal era uma mulher rica – mas desalinhada - que por ter trocado algumas mensagens escritas com ela já considerou que era amiga, era de confiança – juntou tudo isso num pacote de insensatez, mais a sua vaidade imaginária e lá colocou o carro.

Como queria resolver imensas coisas com alguns pães com queijo. Mas tudo piorava. Como queria transformar o pensamento daquele menino. Mas tudo piorava. Como queria ter energia e capacidade para resolver tudo. Mas nada dava certo e o tempo passava.

“Inteligência é o que fazes quando estás perante uma situação em que não sabes o que fazer. Sempre que consegues resolver um problema novo.”

Quantos pães com queijo preciso para resolver os problemas novos que surgem, como chuvas neste "abril águas mil”?

Ana Santos, professora, jornalista

 

“Inteligência é o que fazes quando estás perante uma situação em que não sabes o que fazer.” Manuel Martín-Loeches, um psicobiólogo.

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