2 Contos: “III GUERRA COMEÇA NO HOSPÍCIO!” e “Existe”
- portalbuglatino
- 8 de mar.
- 4 min de leitura

Conto “III GUERRA COMEÇA NO HOSPÍCIO!”
Ela lembra de quando chegou ao hospital psiquiátrico em Botafogo e encontrou um cara que lhe disse:
- Cuidado que desse coqueiro de repente cai coco! Pode cair bem na sua cabeça e aí?
Olhei pra cima, agradeci. Nem me lembrei que o cara poderia ser um doente, passeando no jardim. E porque acreditei, preferi ficar no sol. Sol de meio dia, aliás.
Depois de 5 minutos naquela “soleira”, comecei a achar que levar uma “cocada” na cabeça poderia ser um risco a seguir...
Isso foi há muito tempo..., porém, vendo as notícias de geopolítica na internet, acabei me dando conta que ficar no sol, ainda antes do clima extremo, era bem diferente de agora. Poderia dizer que era “quase fresco”.
- Quem estragou o clima deve ser doido – mas não - porque quem estragou o clima foram os políticos e os empresários. Os grandes. E no mundo inteiro. Agricultura familiar nem tem terreno suficiente pra poluir, pensei eu.
- E agora pra piorar, ainda colocaram aquele homem com boca de boneca inflável cor de laranja e gravata extra comprida pendurada no meio das pernas como se quisesse esconder alguma coisa – será que só eu via o tamanho descomunal daquela gravata, gente?
O mundo inteiro vendo-o e ao seu vice praticando bullying, ameaçando pegar a terra de Sicrano, o canal de Fulano, o País de Beltrano, ameaçando com arma, com bomba, com invasão, com desprezo, com taxação – loucura total. Mas nem te conto: Ele fez tanto bullying que se animou e o estendeu ao seu povo, ao seu País, que quando abriu os olhos, quando espantou, estava na iminência de ficar com “uma mão tasco e outra no lasco”.
Os jornalistas falavam em III Guerra Mundial, em Guerra Comercial. Mas num dado momento ela pensou que eles ainda não tinham percebido que poderia ser automutilação.
- Os egoístas morrem sozinhos, pensou. Tanta gente acreditou em violência e grosseria como algo a se seguir... Os momentos históricos são assim, meio surtados – mas os surtos não duram pra sempre e agora que os crimes por aqui começam a ser julgados e novas revisões de crimes da velha de guerra ditadura militar no Brasil, começam a acontecer, incentivados por um filme de cinema premiado, aplaudido, amado, o que a gente mais ouve é:
- Não fui eu! Se houve crime, então foi ele! – Um apontando o dedo na cara do outro... Todos os valentões, ali... morrendo de medo...
- Que loucura, né? Bem mais que a do homem do coco...
- Estamos agora nesse calor extremo, chuvas loucas, enchentes mais loucas ainda e os políticos nos levam à loucura, ao ousarem colocar a culpa da chuva em Deus - e pior – convencendo os eleitores que com reza isso acaba, enquanto querem privatizar as praias do Brasil, é mole?
E quem pensou que atrás do trio elétrico tudo se arruma, não levou a apertada da multidão que estava na avenida, aqui no Circuito Barra/Ondina, depois da passagem da Ivete. E nem assim as pessoas se perguntaram se a rua comportava aquela multidão... Apenas “comeram água” e lá ficaram, para “tirarem folga” da folia no dia seguinte... Isso a gente, claro. Teve quem tivesse a ideia de construir uma passarela pra fugir do povo. Agora pensem que loucura: você vende a ideia de que todos pulam juntos, que é uma maravilha, mas na vida real faz planos de separar as pessoas. A gente vai pra III Guerra Mundial, mas os outros vão “nos ver” na guerra – e de camarote!
Agora eu pergunto: com o mundo como está, quem é mais perigoso? Será que é o cara do coco? Que tratamento você prescreveria para “autoridades e os reis do mercado”?
Lembraram do pesadelo que nos vendem o tempo inteiro? Mercado não quer, Mercado pega, Mercado come?
Mas... Mercado é gente? Mercado come? Ou nós é que temos fome de ideias, de palavras, de comida?
- Pensem nisso...
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
Conto “Existe”
- Mãe?
- Sim?
- Amo música – será que poderia passar a minha vida inteira ouvindo música e fazendo disso minha profissão? Amo ler – será que existe uma profissão em que passo os dias a ler? Gosto de comer – será que existe uma profissão em que tenho de comer, o que quero, quando quero? Adoro dormir – será que existe um trabalho em que apenas preciso dormir durante 8 horas? Adoro rir – haverá uma profissão para rir durante o dia com o que é engraçado da vida, ou lembrando das coisas engraçadas do passado, ou contar e falar de coisas engraçadas para rir? Adoro perder horas e horas desejando saber coisas, desejando ser coisas, admirando do que os outros são capazes de ser e fazer, assistindo os outros tocando, cantando, jogando, fazendo coisas difíceis, coisas maravilhosas – será que existe uma profissão em que se tem de fazer isso? Tenho tantos problemas à minha volta – será que existe uma profissão em que se resolve tudo? Adoro poder ter dinheiro para tudo o que preciso na vida – será que tem uma forma de ganhar esse dinheiro, mantendo a vida que amo ter?
- Existe
- Que profissão é essa mãe?
- Chama-se viver. Que tal te apresentares ao trabalho hoje mesmo?
- Mas mãe...
- Chega de ficares a ver a vida, filha. Vai vivê-la. Tens uma semana para sair de casa. Quero que durante um mês, não me telefones, não me peças ajuda, vivas a tua vida longe, bem longe da nossa cidade. Longe o suficiente para não teres ninguém conhecido para te ajudar. Procede como se fosses a única da tua família, sem ninguém vivo e a quem recorrer. No final desse mês, poderás voltar. Mas poderás ficar, se te agradar o que começaste a construir. E filha, esta semana em que te vais preparar, vou estar fora por causa do meu trabalho. Vemo-nos daqui a um mês e uma semana.
Ana Santos, professora, jornalista




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