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2 Contos de Homens e Mulheres


Conto “COISA DE “MACHO”

O rapaz era tipo “macho-man” – de direita radical, amava sua fama de grosso pelo bairro. Cuspir no chão e ter sempre um comentário desagradável na ponta da língua eram seu lema. Fiel aos seus amigos homens e infiel às mulheres, se lhe jogassem água quente, meu Deus! – virava canja!


Sua meta agora era ter uma moto porque todo bad boy tinha que ter uma pra sair nas motociatas. Lugar de “homem”. Homem! Com H maiúsculo!


Mas sua mãe – bem, ela não se conformava com aquelas esquisitices:


- Rogério! Rogério! Você vai deixar sua namorada aqui em casa pra sair de moto com esse monte de marmanjo por quê? Qualquer dia você vai acordar e essa menina se foi, tá ouvindo? Ela vai acabar te abandonando, Rogério!


Mas lhe havia “baixado o espírito machista” e perder a motociata, os casacos de couro, não andar na garupa dos amigos, todos juntos, amontoados na rua pra olhar pra ELE! ELE! – Não era cogitável, negociável, possível. Todos aqueles homens gritando juntos “mito, mito”... Colados! Um sentindo a respiração do outro por baixo dos capacetes! O suor coletivo era o máximo!


A mãe, era implacável:

- Rogério e você agora deixa sua namorada em casa pra ir se roçar nos seus amigos? E ainda acha isso programa melhor do que ficar com ela, menino? Onde você acha que vai encontrar garota melhor, hein? Na garupa da moto?

E continuava:

- E depois ainda tem a cara de pau de chamar as meninas de “Maria Gasolina – Mary Gas”... Mas pra homem não tem essa história de ser “Zé Gasolina” e isso não é possível... Você não faz outra coisa a não ser planejar se encontrar com seus amigos homens, pra fazer programa de homem, num lugar onde só tem homem! E eu te criei pra isso, menino?


Rogério já nem queria tomar vacina. Era coisa de jacaré, ele dizia. Mas aí - aí – a coisa virou:


- Ah, você não querer virar jacaré, não é? Pois vá fazer isso fora daqui de casa, seu malandro! Vá pegar no pesado, pintar uma casa, desentupir um ralo! Chega de presepada! Então a gente aqui luta uma vida inteira pra vir um bicho barbado, cabeludo, enrolado de verde amarelo igual a pinto dizer na nossa cara que não quer se vacinar? Pois ou é vacina ou é rua! Tome seu rumo!


- Mas mãe, o que meus amigos vão pensar de mim? Vacinado, não vou ser aceito pela rapaziada...


O zap do celular dava o sinal do encontro dos homens “vrum, vrum...”. O coração de Rogério balançava entre seus amigos homens com H maiúsculo, todos juntos, amontoados, abraçados naquela multidão onde ELE era o rei. Lá vinha a realidade:


- Pois escolha sua rapaziada, moleque porque eu não vou morrer por sua causa! E pode ir dizendo que além de vacinado, você também vai ser mascarado por sua mãe, entendeu? Chega de palhaçada. Se esses barbados não nasceram com mãe, você nasceu e aqui em casa vai ter que andar na linha, ouviu bem? Cresça! Amadureça! Clube do Bolinha depois de velho... Quem merece uma besteira dessa, menino!


Rogério olhou o celular. Mil homens mandando mensagem pra motociata. Vrum, vrum... Sua namorada, logo ali adiante, morria de rir com o vizinho – o cara era meio pintoso... será que dava em cima dela enquanto ele estava ali amontoado com seus amigos, todos homens, machões incríveis? Olhou o celular de novo, depois a namorada, depois a mãe que olhava pra ele com os olhos chispando.


- Passa aí, minha mãe a tesoura de podar porque o pé de maracujá ta invadindo o telhado!


É... era hora de finalmente crescer.

Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV


Conto “Era uma vez alguém”

Era uma vez a vida de uma pessoa. Uma mulher. Ana. Quando era jovem fazia tudo o que os meninos faziam. Tudo. Muitas vezes fazia tudo melhor. Era comum, os meninos vizinhos, pedirem à sua mãe para ela jogar futebol na rua com eles. A mãe não queria porque isso não era coisa de menina. Os meninos suplicavam: “- Dona, ela é o melhor jogador da rua. Hoje temos um jogo muito importante. Por favor deixe...” Eram os seus parceiros, seus amigos, seus companheiros de rua, de vida, das brincadeiras, das aventuras. Uma vida quase perfeita. Cada um era bom em algo e os outros, aprendizes, e estava tudo certo. Uma vida de colaboração, aventura, companheirismo. Ela lembra bem das aventuras de barco ou de mergulhos no rio, das aventuras índios e cowboys, das aventuras de inventar uma cidade, com circuito de trânsito de bicicletas com sinaleiro/guarda de trânsito, açougue/talho, lanchonete, etc. Meninos e meninas, sendo gente apenas. Sendo honestos, leais. Amigos.


Passam a adolescentes. Os corpos mudam, o olhar da sociedade muda. Com tudo isso o mundo de alguma forma muda. E, tristemente, todos mudam, aparentemente para pior. A Ana menina, agora adolescente, já não é aprovada em algumas brincadeiras, em alguns segredos. Percebe que comportamentos que tinha e eram aprovados, agora são censurados. Perde os amigos porque eles viram conhecidos, colegas de infância, vizinhos. Ficam distantes, aprendem a olhar para as meninas de forma diferente, como objeto, como algo a obter, como troféu. Na verdade, passam a ser olhadas como inferiores. Parece que empurrados pela necessidade de serem verdadeiros “homens”, mudam o olhar, guardam segredos, inventam risos e brincadeiras, ironias e distâncias. Sentem-se iguais e exigem iguais comportamentos das meninas, mas não percebem que estão diferentes. Que aquilo que os ensinam a fazer humilham, rebaixam, diminuem as agora adolescentes/mulheres. E as distâncias começam a aumentar.


Idade adulta. Ana não quer acreditar nem aceitar que os que na infância eram parte de uma vida tão feliz e pura, viraram pessoas não confiáveis, pessoas que não ficam felizes com suas conquistas, pessoas que se acham superiores.


Ana viveu uma vida inteira sem entender como corpos que crescem diferentes, pela sua natureza, podem alterar tanto as relações, a pureza da vida. Quando era rica ou tinha sucesso, isso melhorava muito. De repente, parecia tudo melhor, os sorrisos e os convites voltavam. Quando era pobre e cheia de problemas, tudo piorava e parecia que todos concluíam que estavam certos em menosprezar, diminuir, ridicularizar suas escolhas e seu destino.


Ana está morrendo. Ao partir, leva com ela uma enorme tristeza. Com ela leva as perguntas que a acompanharam toda uma vida:

“- Por que razão ser mulher é menor?

- Por que é que ser mulher muito feminina implica desvalorizar sua inteligência?

- Por que é que ser mulher masculinizada implica menos respeito?

- Por que é que ser homem é ser superior?

- Por que é que tudo o que o homem faz de errado é mais tolerado do que com a mulher?

- Por que é que, quanto mais aprendemos, estudamos, vivemos, mais perdemos as qualidades fabulosas que tínhamos em crianças?

- ...”


Ana pediu que colocassem uma frase no lugar onde seu corpo está enterrado:

“Estude o que puder, se questione sempre, seja o que deseja ser, mas nunca esqueça que homem e mulher são iguais, como em crianças.”


Ana, Ana, ainda bem que você já foi sem saber como os Talibãs tratam as mulheres...

Ana Santos, professora, jornalista

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