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2 Contos: “Carteirada” e “Sobrevivi ao Space-X”

  • Foto do escritor: portalbuglatino
    portalbuglatino
  • 18 de jan.
  • 5 min de leitura

Cipriano Dourado 1921 1981
Cipriano Dourado 1921 1981

Conto “Carteirada”

- Você sabe com quem está falando, minha filha?

Olhei ao redor – você acha que eu sou sua filha?

- Eu sou neto de embaixador, filho de cônsul...

- Ih... desceu a ladeira, o senhor reparou?

- Ahn?

- ... Nada... O senhor quer ajuda em quê?

- Você sabe com quem está falando?

- Bem, é impossível para uma pessoa como eu, que recebe o público, sequer criar hipóteses nesse sentido, o senhor entende? Porque há um procedimento: a pessoa chega - o senhor, por exemplo. O usual é que o senhor me dê o convite, eu cheque se seu nome está na lista e peça seu documento para me certificar de que o senhor é o senhor. Embora eu fique muito sensibilizada com a sua gentileza de conversar comigo, veja, não precisa: basta seguir o procedimento, já está bom.

- Acontece que eu não tenho convite!

- Acontece que diferentemente do senhor, eu não posso me dar ao luxo de fugir ao procedimento, sabe? Mas é claro que o senhor sabe! Sua família deve ter tradição em seguir protocolos e procedimentos...

- Se insistir em não me deixar entrar, eu vou ligar para o Cônsul!

- Pro seu pai... Hummm.... Olha, não perca tempo com isso. Venha com o dono da festa ou com meu chefe porque de outra forma não vai adiantar...

- Eu não sei quem é o dono da festa!

- O senhor quer vir então por que? Corre o risco de que a festa seja chata, já pensou? Posso pedir uns salgadinhos e a gente fica aqui, de papo...

Totalmente inesperado é encontrar uma recepcionista honesta e cordial. Como se livrar da educação? Da gentileza? Como subir o tom da voz, se se sentia bem vindo, afinal?

- Aproveitamos que aquele garçom é meu amigo! Quer beber alguma coisa?

- Você está me provocando, mocinha?

- Não... convidando! O vinho daqui é muito bom! Não posso acompanhar o senhor, mas...

- Isso é coisa de comunista!

- Educação? Não, não... é coisa da minha família, mesmo! Deus me livre ser grosseira com alguém lá em casa!

Cansou de esperar. Não conseguiu nem o convite, nem a briga.

- Isso não vai ficar assim! Vou relatar a sua forma de agir inteirinha!

- Eu vou ficar muito sensibilizada, mas não precisa – olha ali, olha: estamos sendo monitorados por câmeras! Vá em paz!!!

E o mal saiu, do jeito que tentou entrar.

Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV

 

Conto “Sobrevivi ao Space-X”

Trabalhei durante 30 anos, sem nunca fazer férias dispendiosas, guardando meu dinheiro para este momento. Todos os anos, quando recebia o salário dobrado, tanto o de Natal, em novembro, como o de férias, em junho, nem lhe tocava – não gastava um tostão. Transferia imediatamente para uma conta poupança, que eu apelidava de “A viagem de sonho”.

Durante 30 anos, num esforço grande, mas fixado nas férias que eu sempre sonhei, fui construindo uma quantia razoável – ganho o salário mínimo. E foi este o final do ano 30º. Me preparei com muito carinho e cuidado para este momento. Escolhi a melhor companhia aérea, a melhor época, o melhor hotel – na verdade, o melhor Resort, aquele que sempre sonhei estar.

E foi assim, realizada e feliz, que, após viagem de avião para Miami, cheguei a “Cockburn Town”, capital das ilhas Turks and Caicos, ou Turcas e Caicos. 1.042 km a “és-sudeste de Miami, com uma área de 430 km quadrados, pense num lugar mágico. É este. Na entrada para o Resort do Club MED, o tradicional Cocktail, os sorrisos, os e as atendentes jovens, talentosos e lindos de morrer. O quarto cheio de flores, frutas, fresco, com cores claras e floridas. Um bom banheiro.

Tomei um bom banho e fui jantar. O pôr do sol se pondo na caminhada para o restaurante. Pense... Olhar aquelas cores, o calor da noite atenuado por uma brisa gostosa e refrescante. Uma delícia.

As refeições bem feitas, cheirosas, saudáveis, leves. Amo. Comi um pouco de tudo para experimentar novos sabores, diferentes abordagens de alguns pratos que gosto de fazer e de comer. Acompanhei a refeição com um copo de vinho americano, gostoso. Fiquei bem com fruta na sobremesa e sai para caminhar um pouco naquele luar, debaixo daquele céu estrelado, onde se pode ver as estrelas cadentes  fazendo trajetos de 180 graus. Uma honra divina poder apreciar a natureza assim. “Como esperei tanto tempo, como estou tão feliz, como a vida é boa”- pensava eu, com um sorriso na minha boca que não se desmanchava.

Aproveitei para dar uma volta pelas instalações, para ver que lugar seria o melhor para ir no dia seguinte para a praia, saber onde estava a piscina, onde estava a atividade de windsurf, de surf, de tiro com arco, de golf, atividades circenses, snorkeling, dive. Uma vontade enorme de experimentar e aprender um pouco de tudo.

Vi também que tinham uma casinha de madeira, muito da bonitinha, de frente para a praia, para o mar, com umas cadeiras maravilhosas para deitar e com música clássica, bem baixinha. Hum, que delícia. O lugar para descansar depois do almoço, ler, pensar na vida.

O cansaço foi chegando, dirigi-me para o quarto, tomei banho e dormi.

Acordei, umas horas depois, com muita agitação, gente falando alto, dizendo que era para evacuar o local rapidamente. Eu não estava entendendo nada. Até que entendi, quando olhei o céu. Uma enorme explosão acontecia em frente dos nossos olhos. Destroços vindos não sei de onde começaram a cair por todo o lado, destruindo tudo à nossa volta. Tentei fugir, tentamos todos fugir. Eu e mais algumas pessoas tivemos a sorte de sobreviver, algumas queimaduras, uma fratura, mas viva. Fui levada para o hospital, cheio de gente pior do que eu. Fiquei alguns dias ali até conseguir ser transferida para o meu país, minha cidade. Fiquei no hospital quase um mês. Depois voltei para casa e fazendo fisioterapia diariamente. Estou bastante bem, melhorei muito. Estou feliz porque sobrevivi, estou triste pelos que não tiveram a mesma sorte.

E aqui estou, chegando ao meu trabalho para mais um ano. Meus colegas de trabalho estão ansiosos que lhes conte tudo e sei que eles também devem saber coisas que eu não sei sobre essa explosão do Space-X, que aconteceu bem por cima das nossas cabeças. Estou curiosa para saber o que os meus amigos de extrema direita vão dizer sobre a situação. Suspeito que vão dizer o mesmo que li numa notícia: “desmontagem rápida não programada”. Agora é assim que a extrema direita chama a uma explosão que obriga aviões a desviarem a rota e provoca mortes e feridos, destruição de casas. Enfim, vou entrar, conversar com eles um pouco e fazer o que sei fazer bem – trabalhar. Talvez viagens de sonho não sejam para mim.

Ana Santos, professora, jornalista

 
 
 

1 commentaire


Maria Lucia Levert
Maria Lucia Levert
19 janv.

Lindo azulejo ❤❤❤

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