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2 Contos sobre Engano

Conto “EXPERIÊNCIA, UMA.”
Era um garoto – mais um garoto(!) – que tinha ficado conhecido por nada, nenhuma obra propriamente sua, correndo atrás de escândalos, postando ofensas e coisas de mau gosto.
- Lá no meu estado, o povo delira com ele, uai!
De encrenca em encrenca, cresceu, se candidatou e – incrível – se elegeu.
Mas, diante da tribuna, no Parlamento, na hora do discurso, Facebook, Twitter e povo brasileiro viraram o mesmo barraco.
- Hoje eu me sinto mulherzinha!
E lá foi ele emendando crimes - que dão cadeia e são imprescritíveis - com a cara de pau dos ignorantes que gostam de aparecer frente à vitrine da opinião pública .
Nos programas de TV, se assumia inexperiente de vida, de empatia, sexo e preocupação social. Social, aliás, só conhecia se estivesse relacionado às redes – ali, ele “se sentia”, desbravava, era o “macho”, “supermacho”, “blastermacho” que... bem... que na prática era o super algo que não sabia fazer nada...
- Mas com voto, uai!
E assim, nós fomos somando patetas endinheirados sem pensamento, sem criatividade e cheios de piadinhas sexistas, machistas, transfóbicas, criminosas mal educadas e... super algo que não servia pra nada...
Nada de presença marcante em votação, nada de povo, nada de Brasil. Naquela boca, nem adormecido o gigante ficava. O Brasil era algo meio comatoso, entre o confuso e o desorganizado, com uma conversa mole insuportável e inteligência... bem... cultura geral... bem...
- Aqui é Brasília e logo ali adiante é a vida real, é favela, pobre, comunidade, ta servido?
Nada, nada... Cabeça oca, de vento, tipo “coisas de Laurinha”, daquela novela de antigamente... Ajudar, trabalho, lei, projeto, votação... nada... era ele, sua peruca loira, seu papo raso e sua fala – será que desejo reprimido? – de ser a loira, a platinada, Nikole – nome de drag da night, com certeza, tinha.
- Mas que ele implica com todo mundo, isso ele implica, uai!
- Implicar, ele implica, com o talento de um espírito de porco, que é de doer, gente – mas quem suporta o traste? E o que é que ele agrega pra gente, aqui no Brasil? Quatro anos de nada pra comemorar, mais uma mala sem alça que vamos sustentar, com tanta coisa pra fazer, pra votar, pra melhorar e modernizar no Brasil...
- Haja saco, sô... Mais um bonitinho, mas ordinário... Como se Brasilia já não estivesse "lotada" da espécie...
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV

Conto “E se fossem joias?”
Dia primeiro de setembro fui me apresentar na nova escola. Recebi logo a informação de que seria a coordenadora do grupo de Educação Física. Fiquei surpresa mas o diretor da escola me explicou que eu era a pessoa com mais anos de trabalho, mais qualificada e que seria assim. Meio surpresa, meio honrada, fui para casa contente com a novidade. Claro que o diretor aproveitou para me pedir muitas mudanças, muitas inovações, muitas coisas que ele desejava. Eu gostei de tudo o que ele falou e me comprometi a cumprir, desde o primeiro dia. Me senti em casa, logo no início, por variadíssimas razões e de alguma forma pressenti que ia ser feliz ali. E fui, muito feliz! Ia de bicicleta para a escola e isso me fazia sentir tão, mas tão bem...que ir e vir do trabalho parecia estar em férias – curioso isso porque nos anos 90, andar de bicicleta era sinal de pobreza, de breguice, de “pão duro” e agora quem não tem bicicleta ou não anda em uma, tem algum problema.
Tudo, tudo, tudo, foi perfeito nesses anos. Inesquecíveis, radiantes, intensos.
Apenas algo estranho surgiu para destoar. Fui informada logo nos primeiros dias que o coordenador anterior viria à escola, quando pudesse, para retirar uma coisa que era dele. Ok. Tudo certo. Mas quando ouvi que a coisa que ele viria buscar, que afirmava que era dele, era um “podium”/pódio – o lugar onde os atletas recebem as medalhas ou taças de primeiro, segundo e terceiro lugar – achei estranho. Mais estranho ainda, quando soube que esse podium/pódio tinha sido feito pelos alunos de uma turma sua, em conjunto com o professor de trabalhos manuais. Pensemos juntos, eu sou professor, os meus alunos, com madeira cedida pela escola e pelo Ministério da Educação, constroem um podium/pódio, com a ajuda do professor de trabalhos manuais e eu, porque sou o diretor de turma e o coordenador de Educação Física lá do sítio, fico com o podium/pódio. É estranho, é incorreto e eu, como nova coordenadora, informei os assistentes da escola que quando o senhor professor viesse, o informassem que não poderia levar para sua casa o podium/pódio porque ele pertencia à escola, para sempre. Pedi muito a Deus para não estar presente na quando ele lá fosse e Deus me concedeu esse pedido. Ele foi num dia e momento em que eu não estava e parece que fumegou, mas não conseguiu levar o podium/pódio. O diretor da escola não deixou, concordando em absoluto comigo.
Sei que ganhei um inimigo nesse dia, mas sei também que muitas pessoas aprenderam e não mais esqueceram a diferença do que é delas e do que pertence ao lugar onde trabalham. Mesmo que tenham sido elas a fazer, a construir.
Ultimamente tenho pensado muito: Como seria se, em vez de ser um podium/pódio, fossem joias?
Ana Santos, professora, jornalista