O roteirista dessa animação é um gênio. Você olha a história e ela se acopla na sua vida, no seu sonho, no seu projeto, no seu país, como se houvesse um desenhista ali, entendendo que por nós, na vida real, passam Mufasa e Scar, e que na maior parte do tempo somos como o Simba, “rindo na cara do perigo, vivendo numa selva braba” – mudaram essa fala do filme, uma coisa inadmissível.
Eu dirijo dublagem. Amo dublagem. Mas todos os que amam dublagem e mímica entendem o valor do filme original. Sem ele, não há nada. Então todos vão entender quando eu disser que Salvador precisa ter mais horários de desenho legendado e não apenas ter que se conformar em perder Beyoncé cantando sem nenhuma outra justificativa que não sejam as crianças. Não que nossos dubladores não tenham dado show. Deram. Mas as crianças grandes poderiam usufruir melhor da leitura da legenda no filme original e voar com as vozes, com as interpretações das músicas, das cenas! Por quê? Porque o roteirista dessa animação é um gênio e o Rei Leão é um filme de adulto, vestido como animação.
Pelo desejo de ter Mufasa, ingenuamente o Brasil o confundiu com Scar. Com quantos Scar cruzaremos na vida? Quantas pessoas enganam com palavras que não parecem ter maldade? São falsas, cínicas, insidiosas, movidas pelo seu próprio egoísmo, mas são suaves, tentam ser invisíveis.
A animação é incrível. A força do filme ainda é a mesma. Saímos mais fortes, mais dispostos a enfrentar dissabores, dores e caminhar em busca do nosso destino. As trilhas – meu Deus, as trilhas! Elas poderiam nos guiar na noite, nos inspirar a mudar o destino do planeta. Lembrei do Bug, da nossa contribuição para a melhoria da comunicação entre as pessoas. Lembrei das distâncias entre as diferenças no Brasil e de que “governar não é receber, é presentear, doar” – palavras de Mufasa. Lembrei de todos os diferentes.
E daí me veio a certeza. O destino do Brasil é alimentar o mundo porque nós somos o celeiro de todos. Nós somos o povo que tem todas as cores, todas as raças, todos os amores. Nós somos o sofrimento da fome, da discriminação e da coação que nos envergonha um pouco mais a cada dia. Hakuna Matata. A cada momento fugimos mais da realidade. Hakuna Matata. Temos que enfrentar a verdade de quem somos. E somos. Chega de “seremos”. Somos. Como Simba era. E que todas as diversidades, como no reino de Mufasa, entendam que fazem parte de um ciclo onde todos se respeitam porque nascem, vivem e morrem. Até o Scar. Então não adiantam as hienas porque elas passarão.
Uma obra prima antes. Uma obra prima sempre.
E vou ver legendado, podem acreditar.
ANA RIBEIRO
Diretora de teatro, cinema e TV
O primeiro dos primeiros. O filme que abriu a porta para o cinema iniciar um caminho de sucesso e encantamento. Histórias reescritas, histórias criadas, todas lindas, emocionantes e grandiosas. Nos deixam mensagens, ensinamentos, avisos, estímulos de felicidade, de honestidade, de nobreza, de amor, aceitação, etc, etc, etc. Filmes para todos os gostos mas filmes construtivos, educativos, sociais, sensíveis, emocionais, espirituais. Quem não foi com seus filhos ou sobrinhos ou netos ver algum destes filmes? E em alguns filmes, lá pelo meio, adormeceu e eles vos acordam com cara de zangados e de censura...”- como se adormece num filme destes?”. São viagens espirituais muito fortes, ver estes filmes com jovens e crianças que amamos. Ver o seu entusiasmo e as suas aprendizagens pelos filmes.
O primeiro Rei Leão vi com uma pessoa muito querida, que me falou que queria ir ver um filme mas que achava que ninguém iria querer ver. Há 25 anos. Que uns iriam achar lamechas/choramingas e outros iriam rir-se dela. E eu fiquei curiosa e aceitei ir. Inicialmente também achei que seria um filme sem graça mas eu sempre gostei de ver filmes de todos os gêneros por que sempre aprendi algo com filmes e lá fomos. Eu, lhe agradeço até hoje pelo que ela fez. O filme mexeu tanto comigo que até hoje vejo na vida os meandros de que o filme fala. Fiz um esforço enorme para não me verem chorar (agora desabo e nem quero saber) e ela me disse que também chorou. Duas duronas chorando foi muito fofo. Foi um dia especial. Desde esse momento, os filmes ficaram mais emocionais e espirituais e começou uma lista interminável de filmes incríveis.
Sobre o Rei Leão em 2019, primeiro o Bug Latino decidiu ver o filme dublado e depois o original. O filme dublado é muito diferente, até na sonoplastia se sente um som perdido. Os dubladores foram maravilhosos, com boa dicção e prosódia, mas não deixa de ser uma dublagem. E, me desculpem, mas com dublagem eu tenho muita dificuldade. Prefiro a realidade. A dublagem facilita a vida a quem não sabe escrever nem ler e perpetua a falta. Eu continuo com a opinião de manter o original, com legenda para estimular/obrigar/ pressionar... as pessoas, os jovens a melhorar as aprendizagens. Não sei ler? Preciso aprender. Simples. As pessoas aprendem muito bem tudo o que lhes dá mais dinheiro, mais sucesso. É muito mais fácil aprender o que nos torna melhores. Não concordo com a diminuição das exigências para que todos se encaixem nos objetivos. Perigoso, muito perigoso. Se o ser humano não tem exigências porque necessita de se esforçar? Quando se facilita o caminho as pessoas diminuem o empenho. Por isso a maior parte das pessoas que se aposentam/reformam ficam doentes, deprimidas, sem objetivos.
A versão original, é isso mesmo, original. Feita pelos melhores do mundo. Deve ser melhor? Por que estragar? Dublar Beyonce? Para quê? Para ficar melhor? Jura?
Esta frase - “Enquanto outros pensam no que podem ganhar, um verdadeiro rei pensa no que pode dar”, que ouvimos no filme, indica o caminho que todos deveríamos fazer. Todos deveríamos fazer um esforço para sermos reis nas nossas vidas. Nobreza nunca fez mal a ninguém. A história é muito forte e marcante. A vida é bela, a natureza suprema e junto de nós temos pessoas que nos amam para além da eternidade. Crescemos inocentes achando que todos são Mufasa e Simba e Nala. Mas, temos durante a nossa vida muitos “Scar’s”, circulando nos nossos caminhos. Simpáticos, maravilhosos, mas que não conseguem aceitar que os outros podem ser felizes. Não conseguem aceitar que os outros são diferentes, com escolhas diferentes e felizes. E lindos e fofos vão mentindo aqui e ali, danificando a vida dos que vivem de forma pura. O filme mostra que “eles”, os “Scar’s”, surgem para te tornar mais forte e para que busques dentro de ti quem és. Talvez também surjam para matar os sonhos e crenças de infância onde aprendes que a família e os amigos sempre são perfeitos e te protegem sempre e para sempre. Que podes confiar a tua vida e partilhar tudo o que tens. E que quando estás em situações difíceis aparecem para te dar uma mão. Como no filme, às vezes a mão que pensas que é para te apoiar, é para te empurrar pela ladeira/penhasco.
Quem nunca viu este filme não pode perder. Tem muito das nossas vidas, e recordamos os tempos em que éramos crianças e acreditávamos na bondade de todas as pessoas. Muito emocionante. Recordamos avós, pais, familiares sábios que deixaram lastro de sonhos dentro de nós para sempre. Infelizmente também lembramos das pessoas que parecem ser boas na nossa vida e não são - os “Scar’s”... O filme mostra essas pessoas de uma forma tão clara que é impressionante. Os urubus, abutres, hienas, e, os mais perigosos, os que têm boa aparência e são muito adequados. Pensem nisso e se cuidem. As ações são a resposta para quem é importante na sua vida, não as palavras e os sorrisos.
Ana Santos, professora, jornalista
Informações sobre o filme
https://www.imdb.com/title/tt6105098/
Espaço Itaú de Cinema - Glauber Rocha
Muito bom meninas. Adorei!