O trabalho de ator é, ao mesmo tempo, artesanal, explosivo, sensorial e psicológico. Reunir Angelina Jolie e Michelle Pfeiffer era uma promessa de que tudo isso poderia acontecer; sem dúvida - aconteceu.
MALÉVOLA continua um filme baseado no amor – agora com camadas complexas sobre as diversas formas de aceitação social do mal e de quem é mau justificar socialmente suas ações, sobre como pode ser simples influenciar pessoas e de como resistir e acreditar em quem você é. É cada vez mais difícil a gente assistir um filme que parte de princípios humanos, nossos ideais e sentimentos num dado momento do filme, são só princípios postos em xeque. Todos sabemos que os refugiados do mundo estão sendo oprimidos, mas permitimos que vivam em cantinhos do mundo, pedindo um espaço para poderem viver; sabemos do racismo, do machismo, da violência da polícia, de políticas e sobretudo de políticos podres; sabemos do meio ambiente destruído, da nossa incapacidade de garantir vida às próximas gerações. Sabemos. Mas nos deixamos influenciar porque não queremos decidir. Porque entre sua mãe e o homem que você ama, é melhor ficar numa posição social dos “sem atrito”. “Não me embarace, não estrague o meu lado, faça um esforço, engula e siga” são ouvidos o tempo inteiro ao invés de “conversem, se entendam, como posso mediar uma tentativa”. Mas com toda a força de suas poucas palavras no filme, Malévola (“well, well”...) explode em emoções, em coragem e em amor – que lhe sai pelos olhos, maciçamente.
Colocar um corpo no mal foi necessário para que as crianças e, sobretudo, os adultos possam imaginar o que estamos perdendo ao permitirmos que as discussões se tornem infinitas porque não buscam e não querem o entendimento por mais que um dos lados alinhe provas, argumentos. É apenas o exercício orgulhoso de se estar certo, como se o certo e o errado não afetasse a vida de todos, não prejudicasse ou melhorasse o convívio sempre tão difícil entre a pessoas. “- Os meus amigos do Face sabem que eu sou brutal”! – Vocês não leem frases subliminares assim em muitas páginas, de muitas pessoas? Michele Pfeiffer abraça e representa essas pessoas com extrema frieza, sem competição com a nobreza de malévola. Ela assume o mal e o representa. E como nós saímos ganhando...
O final do filme é épico, com direito a escolha de se ir pelo caminho do amor ou pelo caminho da violência. Chorar? Meu Deus, chorei muito, como choro muito - é muito difícil seguir por um caminho, tentando ser correta, assumindo que precisamos de mais educação e cortesia e que isso não pode ser confundido com falsidade e hipocrisia. É muito difícil.
Mesmo agora, na vida real, quem se sentir enganado pode voltar para a trilha difícil. Ser bom é difícil e evolutivo, acreditem. Quando a gente vê um filme como Malévola, ele permanece difícil, mas é redentor.
Levem seus filhos e netos, peçam a seus filhos e netos que os levem, que os estimulem a ir. A maior magia de um filme “pseudamente” infantil é que saímos do cinema renovados. Prontos para, como Fênix, renascermos de nossas próprias cinzas e irmos em frente, em busca de humanidade menos “Ingrid” e mais “Malévola”.
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
O filme. Novamente representações excepcionais de atrizes e atores excepcionais. Um novo passo numa história que conhecemos “estável” há muito tempo. Uma história sem fim, por que desde que surgiu a “Malévola” anterior (2014) com um final diferente, passamos a ter um mundo de possibilidades de novos “episódios”, um negócio de sucesso com muito futuro, releituras (como se fala muito agora) permanentes sobre histórias infantis. Angelina Jolie e Michele Pfeiffer sempre foram atrizes talentosas e dotadas. E como poucas nas expressões faciais ou micro expressões. Continuam incríveis nesse domínio, apesar da “necessidade” de plásticas no mundo audiovisual diminuir essas habilidades. Falo com tristeza de Michele Pfeiffer que tentou parar o tempo na sua cara mas perdeu muita da magia que tinha com isso. Mesmo assim, que show de talento e competência...
O início do filme tem uma imagem de movimento tão excepcional, que só por esse momento, já vale a pena. Bons voos.
Relembrando as pessoas que nunca tiveram fascínio por filmes de “criança” ou “infantis”, isso já não existe há muito tempo. E este filme tem muita resenha/reflexão para ser feita se o nosso olhar não se prender só na fantasia.
As nossas vidas são cheias de clichês, de padrões, de “destinos”, de “assombrações”, de...”se fizeres isto, terás aquilo”..., o proibido, etc. Mas não são eles que decidem a nossa vida e estamos a esquecer disso. As crenças e mitos parecem sempre vindos do mundo da imaginação e do fantástico. Tem quem afirme que enlouqueceremos se não mantivermos um mundo de sonho e fantasia e desejo neste mundo mais e mais frio e destruidor dos mundos encantados de cada um. Mas eu deixo uma pergunta a todos nós: o que é colocado nos filmes provoca ações em nós ou as nossas ações são tão inacreditáveis que viram histórias de filmes? E, se souberem a resposta, tem só uma opção? Por que neste filme vi os cegos poderosos que sempre justificam as atitudes com o que sofreram ou com o que tem de ser; os que andam na vida de olhos fechados e nada fazem, nada entendem; os que são bondosos e frágeis, mas muito sós e incompreendidos; os considerados errados e negativos para a sociedade por que não desistem de lutar pelo que é certo nem se intimidam com os poderosos que fecham portas, que os amedrontam e que tentam impedir constantemente o seu caminho; etc, etc, etc.
Eu assisto a estes filmes e depois vejo no mundo real as fadas, os anjos, os duendes, sendo esmagados, destruídos, abafados, humilhados, excluídos, por que são frágeis. Mas ser frágil é determinante para viver plenamente, para se aceitar o todo, para se mergulhar profundamente na vida, no que somos em nós e no que somos com os outros. Mas, de alguma forma, os filmes e/ou nós todos em vida, estamos determinando que é muito mais interessante e fascinante e visível (a palavra do século), ser cruel, destruidor, “mau”, conflituoso, manipulador, “oportunista” etc. Ser “bom”, justo, doce, frágil, emocional, inteiramente amigo, etc, é uma babaquice/menor. Onde foi que “batemos com a cabeça”? O que estamos fazendo com a nossas vidas? Com as dos outros?
Você vê uma multidão de pessoas que segue, que aceita, que acredita...em quem lidera, em quem tem o poder. Não questionam, não analisam. Parecem nem ter pensamento, reflexão, bom senso próprio, opinião própria. Na verdade, acho que fogem de ter tudo isso para não se confrontarem com a sua escolha de “hipnotizado sobrevivente”. E ainda justificam que tem de ser assim. Que ser adulto é isso. E, se o líder muda, mudam. “Claro!”- dirão, com cara de responsabilidade e maturidade.
Ter opinião própria, saber apresentar a sua opinião, saber discordar sem brigar, sem dividir, saber construir e somar com a sua opinião e sua ação é o que o BUG Latino tenta manter e promover nas pessoas. Era o que o mundo e as pessoas faziam antigamente. Como foi que nos tornamos no que somos hoje?
A sorte de poder experimentar olhar o mundo fora do sistema, desenvolvendo o BUG Latino é impagável. Em todos os sentidos. Você tem a possibilidade de ver, de finalmente ver as pessoas escolhendo as filas, os lados, os caminhos, totalmente desfocadas do verdadeiro sentido da vida e da sua importância. Ver isso, nos dá uma energia extra por que podemos ajudar muito e é o que tentamos constantemente. Os outros sentidos? Também vemos com muita clareza, quem ostensivamente ou discretamente tenta inventar o pó destruidor de fadas e sonhos e impedir que se construa, que se desenvolva.
Quando sabemos que algo está errado, o que fazemos? Nada e morremos intoxicados em conjunto como todos e com todos? Ou agimos, falamos, movemos? Mesmo que depois sejamos considerados os ridículos, os pobres, os feios, os errados. Mesmo que não seja sempre. O mundo está neste estado pelo que não temos feito. Vamos fazer algo sempre que pudermos? Vamos? Vamos. Temos.
O filme também toca num assunto sensível: a confiança. As pessoas mudam muito facilmente a sua forma de pensar sobre os outros. Conheço histórias de pessoas que dedicaram a sua vida, repito, a sua vida, aos outros, em particular os da sua família e, num mal-entendido muito útil para alguns, se veem envolvidas numa confusão absurda e são criticadas, manchadas e desconsideradas para sempre. Os que fazem e que falam e que semeiam a discórdia são vis, mas os que aceitam e acreditam, são iguais. Prestemos mais atenção às ações e às palavras das pessoas, à sua dedicação, seu esforço e não derrubemos a sua história só por que neste momento fica bem e de forma nenhuma queremos arranjar confusão no reino da invenção. Isso destrói muitas pessoas, famílias, vidas. Novamente a opinião própria e o bom senso na nossa conversa...
O Bug Latino é feito todos os dias, todos, para vocês fadas, duendes, excluídos, injustiçados, invisíveis que querem ajuda, que querem ser frágeis mas verdadeiros e úteis. Não existe força que destrua isso. Nunca se esqueçam. Ele também existe na procura dos que são como nós. E já somos bastantes os que caminhamos com o Bug. Sentimos a vossa presença com muita intensidade e saibam que somos muito gratas por isso.
Este filme mais uma vez nos mostra que parece ser muito mais fácil e prazeroso ser mau, fazer o mal aos outros. O gostinho do PODER, dizem, estimula as pessoas para o abismo como um “viciado”. Como é triste ver isso em tantas pessoas. Pessoas que são o exemplo para multidões. Sempre que tiver poder, lembre-se, ele lhe foi dado para somar, não para destruir.
O que eu falei parece não ter nada que ver com o filme? Se for ver o filme vai entender.
Ana Santos, professora, jornalista
Informações sobre o filme
https://www.imdb.com/title/tt4777008/
Espaço Itaú de Cinema - Glauber Rocha