
Eu adoro filmes indianos. Mesmo aqueles com algumas cenas um pouco “over”, como os de Bollywood. Tem a semelhança e a diferença com a nossa pobreza brasileira – que atravessa tudo, como lá – tem o machismo estrutural que agrava todas as histórias que relacionam homens e mulheres, como aqui e, portanto, tem assunto pra sentir e discutir à vontade.
Em MOM, vamos partir de uma narrativa onde uma adolescente com problemas de adaptação à madrasta, tenta ignorar e impedir novos laços – o que já daria um filme ótimo porque a adolescência é um dos mil mistérios não revelados do universo, creio eu. Mas partindo desse pequeno ponto se cria um drama incrível, com um insistente e necessário movimento que chama a atenção sobre o machismo, a forma como os homens veem as mulheres, as percebem e consequentemente, como reagem aos “nãos” que recebem, além da interpretação e reação da justiça ao fato em si.
As reações e a interpretação dos atores oscilam entre emoções genuínas e aquele “over” que recorrentemente se vê em Bollywood. Isso não me atrapalha em nada – parece quase com uma assinatura de estilo – mas em alguns momentos do filme “esfria” a percepção da emoção que rege a cena porque um ator mais completo teria percebido que o grito ou a gargalhada não precisavam ser daquele jeito.
A história foi bem contada, o investigador particular e a mãe são preciosos na construção da trama e você acaba revendo o Brasil e suas insaciáveis páginas policiais.
Social e sociologicamente necessário em países como o deles e o nosso (onde a sociedade parece achar normal que haja um vagão onde a entrada de homens seja proibida). Onde o nosso olhar sempre resvale para a justificativa dos erros dos “filhos mimados e inconsequentes”, ao invés de uma reação de valorização de quem está sendo molestado, como forma de incentivar a melhoria de todos. Mas em países como os nossos, mais fácil é implementar o castigo aos pequenos, do que o incentivo ao bem feito para todos.
Com tantas semelhanças, MOM – mesmo com suas inconsistências – é um filme que deve ser visto e discutido em casa, na escola e ambientes coletivos. Temos que dar uma volta na direção certa aqui também.
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro, TV
Ai meu Deus...que filme difícil...
Para mulheres, para mães, para pais. Para quem tem coração e um mínimo de sensibilidade.
Dificílimo.
A cena de drone que filma um carro, é das cenas mais duras que já vi. Não se vê nada mais do que um carro se movimentando e no entanto está lá tudo o que é errado, enlouquecedor, injusto, maquiavélico. Incrível como o cinema não precisa de mostrar detalhes para ser contundente, para dizer o que quer dizer. Vale o filme esta cena.
O diretor parece tentar confrontar a sociedade indiana com o que ela necessita olhar e mudar. Não é mais possível isto continuar a acontecer... A imagem e a realidade de um país onde as violações e estupros são muito comuns, as violações e estupros coletivos ainda mais. Por outro lado, uma sociedade revoltada e buscando corrigir essas injustiças nojentas. Pelo meio, uma justiça com meios legais pouco claros que facilita a liberdade dos estupradores porque a mulher estava com álcool no sangue. Perco as palavras, perco o ar. Um filme que te deixa tensa do princípio ao fim.
O menino, o jovem, o adulto que não admite ser impedido de obter o que deseja, mesmo que o que deseja seja uma pessoa que tem direito à sua opinião. A noção de um machismo pesadíssimo, onde as abordagens de sedução são já de si abusadoras, mas que, quando não obtêm o que é desejado, isso não é tolerado e a postura imediata é de ofendido. Não conseguem “a bem”, conseguem de outra forma. Ter amigos que pensam o mesmo e a porta é aberta para caminhos sem limites, sem respeito, sem um pingo de humanidade.
O filme inicia fazendo uma dedicatória a duas pessoas. Baseado em fatos verídicos? Parece. Naquelas fotos podemos pensar em quantas meninas e mulheres, passaram e passam pelo mesmo.
Trilha sonora que faz lembrar os filmes japoneses de animação, roteiro com alguma fantasia, bem típica dos filmes indianos, com alguns vazios de continuidade. Alguns atores um pouco exagerados na sua dramaticidade, alguns com pouca dramaticidade. E alguns atores sensacionais. Um final bem ao jeito do “bollywood” indiano. Mas não impede que a alma fique e permaneça inquieta. Como é infelizmente normal nas mulheres deste planeta. Vejam porque é preciso ver e saber, mas aviso que muita poeira vai soltar dentro da sua alma.
Ana Santos, professora, jornalista
Informações sobre o filme:
Sinopse: Depois que sua filha é abusada sexualmente em uma festa, uma mãe furiosa começa a destruir a vida dos quatro criminosos que fugiram em liberdade.
Diretor: Ravi Udyawar
Elenco: Sridevi, Sajal Ali, Akshaye Khanna