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Poesia juntos, Poesia sós

Vamos José. Sempre existe uma brecha, uma porta, uma janela. Vamos José. Vamos José. Quem sabe constróis o que sonhas. Mesmo que pareça tarde. Sempre é a hora José.
1. Poesia indicada pelo Bug Latino
“José”
“E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?
Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?
E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio — e agora?
Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?
Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!
Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?”
Carlos Drummond de Andrade
E AGORA JOSÉ - poema de Carlos Drummond de Andrade, musicado por Paulo Diniz
https://www.youtube.com/watch?v=1L9mZIxgaq0
2. Poesia indicada por Maria Lúcia Levert
“Cada homem só se pode salvar ou perder sozinho”
"Também eu acredito que a existência precede a essência.
Que tudo começa quando o coração pulsa pela primeira vez,
e tudo acaba quando ele desiste de lutar.
Que todas as paisagens são cenários do nosso drama pessoal,
comentários decorativos da nossa aventura íntima e profunda.
E que, por isso, cada homem só se pode salvar ou perder
sozinho, e que só ele é o responsável pelos seus passos,
que só as suas próprias raízes são raízes, e que está nas suas mãos
a grandeza ou a pequenez do seu destino.
Companheiro doutros homens, será belo tudo quanto de acordo
com o semelhante fizer, todas as suas fraternidades necessárias
e louváveis.
Mas que será do tamanho e da qualidade da sua realização singular,
da força da sua unidade, da posição que escolheu e da obra que realizou,
que a consciência lhe perguntará dia a dia, minuto a minuto."
Miguel Torga
In "Diário (1949)"