Poesia dos Rumores e dos Tempos Difíceis
- portalbuglatino
- há 4 dias
- 2 min de leitura

“PRETTY HATE MACHINE NINE INCH NAILS”
a Charles Bukowski
I.
“Os vizinhos
o observam com cuidado
o barulho de sua máquina
incomoda a todos.
É um vadio – dizem –
e voltam a suas vidas
confortáveis.
Ontem, por exemplo,
enquanto o empregado da companhia elétrica
o deixava sem luz,
com um sorriso os vizinhos
murmuravam acerca de sua vida,
de todas as coisas que deveria fazer.
Olhavam seu jardim,
potencial amazonas,
seu rosto de ressaca e barbudo
e seguiam orgulhosos
de não ter a vida que lhe coube.
É curioso.
Algumas vezes
ele pensa o mesmo.
Algumas vezes
acredita que eles têm razão.
Porém logo se embriaga e passa.
II.
Os vizinhos
voltaram a lhe dizer
que baixe o volume
do rádio
que não podem dormir,
que eles trabalham,
que não suportam
o barulho de sua máquina quando escreve.
Não lhes pode pedir que se calem.
Não pode pedir que não trabalhem.
Pede então
que vão
de uma vez por todas
à merda,
para grande escândalo da senhora
que o deixa rastejar
nessa casa.
Essa casa que sofre de tantos vizinhos.
A máquina segue soando como uma certeira
metralhadora
e é uma bela máquina de ódio.”
Felipe Granados
Costa Rica, 1976-2009
“EM TEMPOS DIFÍCEIS”
“Àquele homem lhe pedira seu tempo
para que o juntassem ao tempo da História.
Pediram suas mãos,
porque para uma época difícil
nada é melhor do que um par de boas mãos.
Pediram seus olhos
que alguma vez tiveram lágrimas
para que contemplasse o lado claro
(especialmente o lado claro da vida)
porque para o horror basta um olho de assombro.
Pediram seus lábios
ressecados e rachados para afirmar,
para erigir, com cada afirmação, um sonho
(o-alto-sonho);
pediram as pernas,
duras e cheias de nós
(suas velhas pernas andarilhas)
porque em tempos difíceis
acaso haverá algo melhor do que um par de pernas
para a construção ou a trincheira?
Então lhe pediram o bosque que o nutriu desde criança,
com sua árvore obediente.
Pediram o peito, o coração, os ombros.
E lhe disseram
que era estritamente necessário.
Depois lhe explicaram
que esta doação resultaria inútil
caso não entregasse a língua,
porque em tempos difíceis
nada é tão útil para atalhar o ódio ou a mentira.
E finalmente rogaram
que, por favor, se pusesse a andar,
porque em tempos difíceis
esta é, sem dúvida, a prova decisiva.”
Heberto Padilla
Cuba, 1932-2000
Imagem: Arnaldo Pomodoro
Quarta-feira, dia de poesia no Bug Latino. Dia de encanto. Venha se encantar com poetas incríveis.
@buglatino
A Plataforma que te ajuda a Falar, Pensar, Ser Melhor.




Comentários