MENTIIIIRA...
São vidas de conveniência e inconveniência, não importa – quando algo desperta preconceito ou discordância, o remédio é mentir. Serve para confundir, destruir, matar, adoecer, desnudar. Uma doença vira morte, um casamento terminado para na delegacia, um morticínio de vírus vira um confuso pseudo golpe de Estado, onde as Redes Sociais são a sede da fofoca organizada. Um tipo de vergonha que a gente sente da vergonha alheia, sendo que a vergonha alheia está em toda parte fazendo selfies de visitas não feitas ou comidas chiques que não satisfazem porque amor é que satisfaz.
Os políticos são uma máquina de guerra em mentiras, os religiosos afirmam que Eva nasceu de Adão e que a Terra é plana; Adão perdeu a costela por uma mentira – talvez a primeira. Quem consegue não mentir? Silêncio...
Tenho filosofias nunca respondidas: Não sou nada, nunca serei nada, não posso querer ser nada... Aparte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo... Ao mentirmos como loucos, estamos parando de sonhar e trocando sonhos e planos por ilusões e desilusões – depressões. Porque perder da vida é uma coisa; mas outra coisa, é se deixar enganar, iludir pela vida. Se deixar ludibriar. Por isso o deserto interno e a solidão. Um sonho se compartilha, mas uma mentira (ou a forma doce de chamar-se e consagrar-se mentiroso – “Fake News”) – precisa ser escondida, omitida, falseada – e são muitas culpas e frustrações a carregar, no final.
De uma foto montada, um corpo “photoshopado”, à calúnia e difamação, depressão, bullying cibernético, antropofagia online, suicídio – onde você quer parar? Onde está o seu medo de ser confrontado com a verdade? Porque isso também é certo: o diabo sabe fazer as panelas, mas não as tampas. Contrainformação, indução ao erro e ilusão, à crime de responsabilidade, prevaricação, fraude – onde você quer parar? Onde é o seu limite?
Nem tudo – e atualmente quase nada – se resolve com um sorrisinho amarelo e a frase: “Mentirinha, gente... ai, que estresse” ...
O FaceBook é o nosso Big Brother cotidiano, num mundo cheio de câmeras onde os bandidos tiram selfie com localização do esconderijo do dinheiro roubado... Onde você vai parar? Onde fica o limite da sua vergonha? Da nossa vergonha?
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
Mentira de novo. Tenho um cargo muito importante, logo não minto, apenas mudo de opinião, ora. Mudei muito de opinião para chegar aqui. Se você insiste nisso, cuidado. Tem muita gente na fila esperando seu lugar neste trabalho. Cale a boca. Posso fazer como fiz com aquele seu amigo. Dizer a toda a gente que ele roubou, sem ele saber. Eu o demito e ele não mais tem espaço aqui. Não é mentira não, é poder. Ele estava a merecer, sempre feliz e competente no trabalho. Como alguém que trabalhava que nem um louco, ganhava uma miséria, ainda ria, tratava todos bem e estava sempre feliz? Ah, vai. Deve ter roubado mesmo. Não pode vir assim com essa alegria toda não.
Mentira de novo. Tenho tido muitos pesadelos. Hoje sonhei que um homem, após trabalhar 800 dias num lugar de muito poder, deu 2.500 declarações falsas ou distorcidas. Ando sem saber muito bem onde está a realidade e onde está o sonho. Pesadelo. Eu minto? Não, não, não. Eu sempre digo a verdade. Não usava máscara e agora uso, ora. Apenas mudei de opinião. Eu posso. Tudo eu posso. Ouve-se todos os dias, pelas 18h e pouco, ao longe um eco de vozes...”não, não, não”...
Mentira de novo. Saber mentir é uma arte. Sou muito boa nisso. Minto sorrindo e quanto mais minto mais poder tenho. É incrível. É impressionante o que consigo com as mentiras, as confusões que provoco. Os espaços que encontro, as oportunidades que surgem. E ganho muito dinheiro. Cada vez mais. O mais engraçado é que já nem sei o que é mentira e o que é verdade. Na verdade, cada vez mais acredito nas minhas mentiras. Algumas coisas que me contam e que dizem que são verdade, hum...duvido. O povo está louco. Alguma vez as pessoas faziam isso, ou aquilo que contam. Ná... Será que as minhas mentiras estão a perder para as verdades dos outros? Isso não me agrada nada.
Mentira de novo. Se eu mentir uma vez e continuar a mentir para cobrir essa mentira, resolvo o problema. O que interessa é que ninguém descubra. E também é importante eu me manter tranquila, fazendo sempre de conta que é verdade. Nunca vacilar. Mesmo que descubram. Mesmo que venham com provas, mesmo que todos saibam, mesmo assim. Num lugar preciso de contar a mentira com tons rosa, noutro lugar a mentira precisa ir com tons azulados. Tranquilo. Tudo controlado. Os lugares não se misturam. Posso falar o que quiser que ninguém vai descobrir nunca. E no outro dia a minha mulher foi chamar mentirosa a uma das pessoas que mais minto. Ahahahah...isto é tão divertido...
Mentira de novo. O Pai Natal existe? Os gambosinos também? Como, se eu me portar bem, o Papá vai conseguir um emprego? Se as pessoas gostam de mim porque se afastam? Quando morremos vamos para o céu? Porque o Papá nunca mais volta? Porque é bom crescer se os adultos só brigam e choram?
Mentira de novo. Meus filhos estão com fome. Eu também. Só contamos uns com os outros. Eu não tenho comida para lhes dar. Preciso transformar a verdade em algo imaginário. Muitas vezes olhamos as revistas, comentamos as imagens de comida e imaginamos o sabor. É a nossa televisão até adormecer. De dia, de dia minto a todo o momento tentando convencer as pessoas que sou capaz de merecer um qualquer trabalho. Mas não está fácil. Nunca aprendi a mentir e agora, não tenho sucesso.
Ana Santos, professora, jornalista
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