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"Liberdade, Liberdade, Abre as Asas sobre Nós"


Por quê uma brasileira escreveria sobre o 25 de abril, sobre a Revolução dos Cravos, uma data portuguesa? Talvez, por “dor de cotovelo”. Afinal, o término da ditadura virou uma página que Portugal não pretende reviver. Aqui, ao contrário, tem gente que coloca pessoas em perigo com “buzinaços” em pleno período de isolamento social, gente que grita palavras de ordem a favor do AI-5 (a PIDE do Brasil) que poucos dos que estiveram na rua, entendem o significado. Também não tenho certeza se entendem o que significa liberdade e muito menos democracia. Nossa educação que já era decadente, agora está incoerente.


Aqui, o presidente, como de costume, desdiz covardemente o que afirmou antes e a suposta “manifestação” vira o “mico” do domingão. Vivemos uma “dança macabra”, que testa a reação das nossas Instituições, tentando avançar. Dois passinhos pra frente e o presidente sobe numa caminhonete, finge que não existem faixas pedindo a volta do AI-5 e diz que não vai negociar com ninguém; dois passinhos atrás, já bancando o desmemoriado conveniente, manda um coligado calar a boca quando o ouve pedir o fechamento do Supremo.


Nesse nosso estranho episódio, a lista dos que “o impedem de trabalhar” não para de aumentar: se começamos com o cientista do INPE que ousou dizer a Amazônia estava em chamas e foi sumariamente demitido, metemos uma terceira e no pacote entrou o nosso Congresso, o Senado, o Supremo, o ministro da saúde, o da justiça e segurança publica, a policia federal, os jornalistas, o povo não bolsonarista e já emendou com os cientistas do mundo inteiro, todos os presidentes e primeiros ministros, a OMS e ONU. Dessa vez o Ministro da justiça cai atirando como num faroeste punk/dark. Como uma claque enlouquecida, as pessoas que o seguem não percebem que é pelo menos suspeito, um presidente que, ao invés de trabalhar, quer salvar os filhos e abandona as pessoas numa pandemia, ao criar uma paranoia coletiva enquanto dá palpites sobre tratamentos, como se ele tivesse alguma formação, a mínima!


Assim, um ex-deputado que nunca apresentou projeto nenhum durante 27 anos, repete a receita e como presidente não faz absolutamente nada além de fofocar. O vírus não estava nos planos, mas ele mantém o curso; a economia do mundo vai poder colapsar, mas ele continua com seu pensamento inútil e pequeno voltado para o que inventar para se reeleger com a economia em recessão – como se ele conseguisse com “10 gatos pingados no Brasil” mudar uma recessão planetária. Seria um pesadelo em qualquer cenário internacional, mas aqui, vendo a sombra do COVID se aproximar das favelas e da matança extrema, sem a liderança de ninguém – já que ele tirou o ministro líder e colocou no lugar uma pessoa que não consegue articular o pensamento sem hesitar – me veio à mente a inveja nomeada de um povo que um dia cansou de brigar, se fez um só e decidiu que a revolução começava ali, num dia 25 de abril.


Conseguiremos algum dia uma Revolução dos Cravos só nossa, tipo um 2 de julho brasileiro e não baiano, uma revolução popular onde negros, índios, mulheres se uniram contra os colonizadores (perdão pela alusão, pessoal!), todos soldados da mesma causa? Um momento onde todos são um só e tudo é Brasil? Eu torço que sim. Enquanto isso, a gente vai chorando perdas humanas, políticas e um ganho desnecessário de ignorância, indelicadeza e falta de educação de casa.


Viva o 25 de abril - talvez um dia, uma comemoração do amadurecimento do eleitor do Brasil.

ANA RIBEIRO

Diretora de teatro, cinema e TV


Tinha 8 anos. Vivia numa aldeia do norte. Tudo acontecia em Lisboa, num mundo sem internet. Lembro de um dia, 25 de abril de 1974, chegar da escola e ouvir uma conversa entre meus 3 irmãos mais velhos e meus pais. Falavam que o país estava num momento diferente mas ninguém sabia dizer muito mais. Ninguém sabia como seria o futuro. A escola ia parar uns dias porque podia ser perigoso para as crianças circularem na rua. Mas o que me assustou mais, foi que meu pai, quando perguntei o que se passava, disse que existiam “uns homens” que poderiam ir a sua casa e levar seus pais, seus irmãos, você. Esses homens iam “buscar” quem eles consideravam que se comportou mal. Passei muitos dias assustada sem dizer nada, com medo que batessem na nossa porta. Que levassem meu pai. E se soubessem que tinha comido um delicioso caramelo espanhol, sem autorização dos meus pais, estava “frita”/”lascada”.


Não tinha a mínima noção do que estava a acontecer. O mundo era a nossa casa e a escola, e as regras de vida eram as desses lugares, onde a justiça, a honestidade, o bom senso, a educação, estavam. Onde o mundo tinha lógica. Aprendi que acontecia alguma coisa boa se fizesse coisas boas. O oposto também era verdade.


Como tudo o que é histórico e verdadeiramente importante, a cada ano que passava eu ia entendendo cada vez melhor o que realmente tinha acontecido. O tempo é realmente um professor assertivo. Sim, pessoas foram presas em casa, mas também na rua, foram torturadas, foram mortas. Outras fugiram para outros países, outras calaram para poderem ter trabalho e comida. O melhor era não dar sua opinião a ninguém para não ter problemas. Melhor não ter opinião. Melhor dizer que sim ao que a maioria afirma. Como já faziam há mais de 30 anos.


Desde esse dia, 25 de abril de 1974, tudo começou a ficar diferente. As pessoas riam, choravam, ouviam música mais alto. Diziam coisas que nunca tinham dito. Mostravam mais as suas emoções. Tinham um olhar brilhante e fundo e diziam que eram livres. Que estavam felizes. Com pouco dinheiro, com roupa velha, com carros que avariavam constantemente, com sapatos que antes do Natal e da Páscoa colocavam solas novas e eram engraxados, com roupa que passava por todos os filhos. Aprendi que a liberdade não tem nada a ver com “TER” coisas. Porque os sorrisos eram abertos quando o carro avariava ou quando uma meia chutava a cabeça de um dedo do pé para fora.


Sempre nesse dia, o país lembrava o que se tinha conseguido. Eu não sabia bem o que se tinha perdido. Mas fui aprendendo, pelo que li, pelo que ouvi, por ter amigos e amigas que sofreram na pele. Visitar os lugares onde a história aconteceu também foi e é importante para que eu e todos não façamos parte dos que, cegos, a desejam repetir.


E a liberdade foi agarrada, defendida, vivida.


Adulta, começaram a acontecer umas mudanças de regras com a justificação de que a economia do país não “aguentava” como tudo estava. Os funcionários públicos começaram a ser tratados como um problema, como incompetentes, a perder as regalias que sempre tiveram. Seres humanos que escolheram aquelas profissões e não outras por causa das regalias, mesmo tendo um salário/vencimento mais baixo. Viraram uma despesa nacional e algo descartável. Perderam lentamente quase tudo: segurança, condições de saúde, horários de trabalho, salários/vencimentos. Por último, começaram a ter uma avaliação interna. Precisavam de ser avaliados. Por quem vão ser avaliados? Pelos que competem para os mesmos lugares e que nasceram mais cedo. Com frequência por pessoas com quem não têm boas relações porque defendem comportamentos diferentes. Aí, iniciaram mudanças estranhas de novo. As pessoas deixaram de dizer o que pensavam, deixaram de rir alto porque podiam ser consideradas “loucas” ou irresponsáveis, ou incompetentes. Caras sérias, opiniões e conversas adequadas, para manter empregos e a comida no prato. Nesse momento, me lembrei de quando tinha 8 anos. Tudo o que não entendi, entendi nesse momento. Percebi também que a perda da liberdade acontece lenta e silenciosa, com cara de amiga.


Mudei de país. Um país que viveu uma ditadura terrível. Fizeram-se coisas inacreditáveis nas pessoas. País de beleza tamanha, de graciosidade e simpatia. É muito grande. Parece um continente, com sub culturas muito diferentes, bem vincadas e algumas muito opostas. Muitas pessoas, muitas opiniões, muita distância entre todas.


Pessoas sem qualquer formação, caráter, honestidade, sonham ser “alguém” e avançam em cargos políticos por todos os meios disponíveis ou inventados. E surpresas acontecem. Pessoas que parecem ter sido assíduas e pontuais em cargos “mornos” e silenciosos por décadas, podem ser consideradas competentes pelos mais distraídos e podem se tornar poderosas, muito poderosas. Você as ouve falar e não percebe nem o raciocínio mais simples. E, quando conseguem os lugares de poder, podem iniciar mudanças aparentemente suaves, aparentemente democráticas, mentir com cara de verdade, enganar com cara de inocente. E suavemente o mundo pode começar a mudar e você precisa estar atento para não perder de novo a vida – a LIBERDADE. O ser humano precisa de saber muito bem o que é ser livre, para saber defender a sua liberdade: individual, pessoal, familiar, social, política, etc.


Se uma pandemia acontece, as pessoas de bem “esquecem” as brigas e partem para uma luta juntas pelo que é mais nobre e mais importante – a vida e saúde de todos. As pessoas que não são de bem, aproveitam estes momentos para ganhar dinheiro, para enganar as pessoas, para conseguir mais poder, para instaurar “democracias ditatoriais”. Muita atenção. Saber o que é liberdade, o que é democracia e zelar por manter as duas é o dever dos seres humanos de bem. Os que devem prevalecer. Os verdadeiros valores da vida devem surgir e prevalecer nas horas difíceis. Cuidemos de nós e cuidemos do que significam as palavras. Agredir e dizer que é pelo bem da pessoa, mandar as pessoas fazerem coisas ilegais sob ameaça e dizer que é democracia, trair e dizer que o fez porque ama, está tudo errado. Palavras usadas de forma vã devem ser evitadas e pessoas que as usam de forma vã não devem alcançar, estar, nem permanecer em lugares de poder.

Ana Santos, professora, jornalista

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