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“Elas, crianças” Bug Sociedade



“O nome da minha filha é Babi” – dizia a menina. Com 5 anos e já treinando pra ser mulherzinha... Isso seria machista ou a menina tem acesso à autonomia muito, mas muito antes do menino?


Na verdade, as meninas precisam disso tanto quanto os meninos. Ser independente e saber cozinhar a própria comida exige treinamento desde cedo. É como aprender a tomar banho sozinho – se espera que cada um saiba por si mesmo. É uma forma de sobreviver, de se cuidar, de cuidar da família se alguém adoecer.


O nome da filha dele, também pode ser Babi – ou Carla, Maria ou Angélica. Todo homem deveria ter treinamento pesado pra um serviço pesado – limpar a casa. Lavar e passar a própria roupa. Lavar o banheiro!


Portanto, se o título do texto ainda é MULHERZINHAS, você que tem um menino em casa está defasado. A sociedade permanece defasada. No Brasil, certamente. Em cada vez mais países do mundo, o mundo despertou para o fato de que quando se separa, não precisa voltar pra casa da mamãe por absoluta incompetência pra se cuidar sozinho, pra receber seus filhos – as Babis – e saber o que fazer com elas no final de semana. Isso inclui ensiná-las a arrumar suas camas.


Em que momento do nosso machismo histórico os homens acharam que isso era uma coisa dispensável, eu não sei. Mas a vida deu aquela volta e hoje os homens que não sabem fazer nada, são como Patricinhas inúteis – o que podemos fazer com eles?


“O nome da minha filha é Babi” – que mantra! Significa independência. Mesmo que a menina, dona da boneca Babi nunca tenha essa criança, que ela não queira filhos ao crescer. Porque ela vai continuar sabendo olhar uma casa sabendo o que ela tem, onde estão as coisas e o que se pode fazer com elas.


“O nome da minha é Babi” é simplesmente libertador!


Hei, menina! Além de cuidar da Babi, você já lava o seu copo, tem um banquinho pra subir e ajudar seus pais? Hei, menina! Você ainda não sabe, mas ser independente é quase como voar! É ser livre, é não precisar pedir a ajuda de ninguém! Hei, menina! E já sabe a tabuada? Sabe comprar pão sozinha fazendo as contas nos dedos? E fazer as contas de cabeça? Basta um pouquinho de trabalho e olha só! Você pode tudo!


Hei, mãe! Hei, pai! Tragam os meninos pra pegarem na Babi!

Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro, TV


Meninas que brincam em cima de árvores, têm olhares estranhos sobre si, vozes que censuram baixinho. Meninas se interrogam. Afinal isso é super fantástico. Todos deviam experimentar porque não é um problema e sim uma enorme experiência. Dali a 20 anos essas meninas estarão nos Jogos Olímpicos a receber palmas, elogios, sorrisos, dos mesmos que tinham olhares estranhos e vozes de censura. Todos esqueceram o passado enquanto as meninas perderam sorrisos nessa caminhada, apesar de nunca deixarem de brincar em cima das árvores. Sabiam como era importante, como era precioso ser capaz de o fazer, apesar de tudo. E fazê-lo.


Meninas aprendem que os fortes têm voz grossa, são frios, falam mais alto. Aprendem que choram muito mais do que a sociedade acha “bem”, que são fracas, medrosas, incapazes, dependentes - um fardo. Meninas ficam confusas. Olham as mães, as tias, as avós e outras mulheres que admiram e essas pessoas não páram de trabalhar, estabilizam as famílias, organizam o caos, arregaçam mangas quando aparecem problemas, fazem mil coisas ao mesmo tempo, aguentam e seguem, fazem o que é preciso fazer. Incluindo abandonar seus sonhos e sua felicidade para cuidar dos que não estão bem.


Queremos ser o olhar da liberdade ou da prisão das meninas que aprendem olhando-nos? Queremos apontar o dedo, a censura, que fiquem confusas, desorientadas e tristes? Mas também queremos bater palmas quando atingem Jogos Olímpicos, Pulitzer Prize, Pritzker, Prêmio Nobel da Literatura, Química, Física, Economia, etc? Fica difícil... Meninas ficam confusas.

Ana Santos, professora, jornalista


A menina cuida.


Desde os primeiros anos é cultivado na menina o dever de cuidar.


Nasce com ela? Vem no código genético, acoplado ao segundo cromossoma X?


A menina, logo pequenina, sente esse apelo por cuidar?


Quando colocamos nas suas mãos uma boneca, estamos a responder a esse apelo ou estamos a condicionar as suas aptidões? Se em vez de uma boneca, colocássemos nas mãos da menina uma bola, iria ela pegar-lhe ao colo e embalá-la? Ou iria experimentar os primeiros pontapés?


Correndo o risco de parecer uma abordagem simplista, por vezes, nos gestos mais simples, mais automáticos, vamos perpetuando padrões que, de tão enraizados, não nos deixam ver os preconceitos que encobrem.


Ensinamos (nós mulheres, mães, avós, professoras) à menina, ainda pequenina, como pegar a boneca, como alimentá-la, como preparar a cama para a deitar. Transmitimos-lhe o dever de nutrir, de cuidar, de proteger. Convictas de que estamos a formar um ser humano melhor, mais capaz socialmente, mais altruísta, estaremos a incutir-lhe a noção de que em função do seu género, deve ser, antes de mais, uma cuidadora? Que a sua primeira tarefa primordial é servir outrem?


Haverá, efetivamente, nos genes, fatores que diferenciam a apetência para cuidar ou estamos apenas condicionadas por séculos de história?


Se é de humanismo, de solidariedade, de empatia, que se trata, porque não fazemos igual com os meninos?


Quando educamos as nossas meninas e os nossos meninos, colocamo-los em pé de igualdade?


Meninos e meninas têm características que os distinguem. E é certo que há gestos que parecem naturais a uns e outros. Mas serão mesmo? Ou serão uma reação às expectativas perante as quais nós, educadoras, os colocamos?


Ao escolhermos brinquedos, baseamos a seleção em dois fatores: a idade e o sexo da criança. A própria criança, para se identificar com os seus pares, repete brincadeiras que lhe foram ensinadas como adequadas ao seu género. No recreio da escola, não é vulgar ver um grupo de meninas jogar à bola. Ocasionalmente encontramos uma, ou outra, a tal Maria-rapaz.


Menos raro, porém, é ver meninas correr, trepar árvores, andar de bicicleta, lutar com os meninos, ser polícia e ladrão. Quantas meninas se destacam nas aulas de educação física ou são convidadas a integrar as equipas de desporto escolar. E quantos meninos se deixam seduzir pelo fogão de brincar, por experimentar cozinhados de faz-de-conta ou brincar com massinhas e panelas na cozinha, ao lado da mãe. As crianças são, naturalmente, curiosas. Interessam-se por aquilo que lhes mostramos. Cabe-nos então a nós mostrar sem diferenciação. Ensinar a maravilha da diversidade, da opção, da escolha, independentemente do género com que nasceu.


É nesta liberdade que devem crescer. Longe de estigmas que ditem, à nascença, um instinto maternal incutido. Ou que, como a Carochinha, apesar de ter a sua moeda, precisam de encontrar um marido. Ou que só o beijo de um príncipe as pode salvar da condição de órfã perseguida pela madrasta malvada.


O percurso natural de uma menina não é crescer para ser mãe. É crescer para ser mulher.


Importa que lhe sejam dadas oportunidades iguais. Que sejam permitidas escolhas, numa aprendizagem livre de juízos redutores. Não há um caminho adequado às meninas. As meninas, tal como os meninos, podem percorrer incontáveis caminhos.


Adequado é o caminho que faz a criança crescer feliz, sentir-se bem na sua pele, no seu corpo. Descobrir-se e descobrir o mundo em seu redor. E, pelo caminho, perceber qual é o lugar que quer ocupar nele.

Cláudia Quaresma, convidada especial do mês de março

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