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2 Contos: “PERPLEXITY” e “A leitura que salva o Bambu”

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Conto “PERPLEXITY”

              A Inteligência Artificial pode fazer planilhas, editar e dublar e narrar e animar toda e qualquer imagem, futuramente podendo tomar o lugar de advogados, médicos, além de estar nos carros, dentro deles, dirigindo por nós, falando por nós, pensando por nós – pensando por nós?

              Me dei conta de que a internet nos enfia IA pela boca adentro, sem apelações, sem nãos, todos os minutos de cada dia – “se você não dominar a IA, possivelmente ela já dominou você... (consuma, consuma, consuma” ...).

              “Eu existo sem IA” – pensava enquanto caminhava até a garagem em busca de uma vassoura para varrer as folhas do quintal. Não tem IA pra tarefas que nos relaxam e ajudam a pensar. A IA não escolhe as sementes e mudas de plantas que peço aos vizinhos ou mesmo varrer, lavar uma coisinha no tanque ou escolher o que vamos comer aqui em casa. Dizer apenas: “me abra a porta ou toque a música tal” me tira o gosto de curtir minha vida e minha autonomia de escolher se vou levantar ou ter preguiça – e tudo o que pode acontecer nos micro movimentos de cada ação: posso escorregar quando levanto para caminhar até a geladeira ou posso encontrar um dinheiro perdido num bolso, na hora em que procuro esvaziá-los na hora de lavar roupa.

              Não quero delegar minha vida a ninguém além de mim mesma – aliás – quero ver minhas rugas e ver nelas a minha experiência com a vida humana. Não quero que os influencers me influenciem se está na cara que eles estão mentindo. Pensava isso tudo e varria o quintal molhado da chuvarada que caiu em Salvador, me sentindo perplexa com a quantidade de solidões com as quais a minha geração tropeçava todos os dias. Vivendo de verdade, atentamente.

              Recebi fotos de um aniversário pelo WhastApp. Analisei as feições dos convidados. Será que uma IA sabe avaliar a solidão que sentem, seus olhos perdidos, vernizes sociais inúteis? Será que saberia avaliar os olhares atravessados, o tédio, as invejas e ciúmes e provocações? “Acho que não”, pensei.

              As pessoas falam do mundo tecnológico como se tudo fosse maravilhoso, mas vejo os mais jovens cada vez mais tristonhos e sozinhos, se deixando enganar por gurus que repetem ladainhas performáticas o tempo inteiro: eu vou ser seu mentor pelo resto da vida, você paga por um ano de aulas e recebe cursos vitalícios, ganhe 7 dígitos, ganhe 8 dígitos, todos os grandes mentores da internet juntos pra você, separei 15 IAs, todas as IAs, ganhe, ganhe, ganhe, pague a ganhe... “Acho isso tudo bastante vampiresco porque os mais novos estão cada vez com menos energia porque nem usam o corpo, ali sentados na frente da tela. O dia inteiro”.

              Respirou fundo, sentiu pequenos pingos e já gritou pra dentro de casa: “Vai chover! Não vai dar pra varrer a calçada”! Alguma IA iria se sentar ali fora e esperar a chuva decidir se caía ou virava sol, apenas olhando o movimento dos passarinhos? Não. Lhe olharia nos olhos e indicaria a melhor maniçoba que havia experimentado? Não. Ouviria com prazer tudo o que se pode dizer sobre um abará divino, pertinho de casa? Não. Conheceria Zeus, o pitbull mais lindo da rua? Não. Falaria de teatro, trocaria experiências sobre o que viram na peça? Não. Nada do que acontece de realmente importante em uma vida em termos de convivência humana, uma IA poderia suprir.

              - Vital mesmo é viver cada minuto...

Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV

 

Conto “A leitura que salva o Bambu”

Salvador, na Bahia, clima tropical. Vegetação tropical. Bambuzais por todos os cantos. De entre todos eles, o eleito é o que está na entrada no aeroporto. Ou na saída. Sorri. Lembra que existia sempre essa brincadeira: quantas ruas sobem? E quantas ruas descem? Ficava sempre nervosa com medo de falhar a resposta, quando era menina. Depois foi percebendo que era brincadeira, estímulo ao seu pensamento, ao seu raciocínio. “É preciso estar atento e forte, não temos tempo de temer a morte”, como na canção “Divino Maravilhoso”. Treinar a pessoa para a vida, pois nada é dado, nada é fácil, esse o lema que lhe foi ensinado. Como os Bambus.

Sair de Salvador, chegar a Salvador, ir à Polícia Federal no aeroporto, ir buscar quem chega, levar quem parte, todas estas razões sempre são boas para assistir aquele espetáculo. Um quilómetro e meio de bambu. Mil e quinhentos metros de uma floresta cerrada e gigantesca de bambus, dando as boas-vindas ou desejando boa viagem. Uma admirável obra da natureza.

Precisa abrir a janela do carro sempre que passa ali. Precisa sentir aquele ar, aquele calor tropical, precisa sentir a natureza se impondo.

Dizem que seu crescimento ocorre de forma irregular. Dizem que não é visível durante muitos anos – pelo menos 5 anos - porque sua energia se entrega a formar uma base forte. Depois, subitamente, explode o seu crescimento. Alguns podem crescer um metro por dia. Podem chegar aos 27 metros de altura. Chocante. Está em choque depois de ler estas informações.

Então é por isso. Por isso! Aqueles anos e anos tentando semear, plantar, ter bambus no seu terreno e nada. Desanimava, se interrogava porque só no seu terreno eles não cresciam. O que estava fazendo de errado? Errou no tempo, na falta de espera, em não saber deste trabalho silencioso nas raízes, verticais e horizontais, fortes, poderosas, capazes de aguentar uma vida e todo o vento.

Se questionou. Talvez ela fosse um bambu. Também esteve cinco anos a desenvolver as suas raízes, na universidade. Até desenvolveu mais dois anos extra com o mestrado. Depois cresceu. Sim, cresceu. Mas cresceu um metro por dia? Não explodiu tanto assim. Cresceu sim, espalhou-se sim, mas não tanto. Deveria ter explodido mais? Em que sentidos e em que sentido? Será que ainda não conseguiu crescer tudo o que poderiam seus “ramos”?

Tão preocupada em aprender a ser flexível como os bambus talvez não tenha crescido tanto quanto podia.  Talvez agora seja tarde. Bambu velho é o que é agora, no que se tornou. Tem dias bons, outros nem tanto porque só pensa que fez errado isto, fez errado aquilo, que foi uma pena não ter feito de outra forma, que não conseguiu cumprir, em tudo o que devia ter feito. Nesse dias sofre massacre pessoal da sua mente. É como se o bambu que nuns dias se move com o vento e vai crescendo e explodindo e se vergando, noutros dias fica vertical, duro e imóvel, arriscando-se a quebrar. Porque é assim? Se pergunta isso todos os dias mas não sabe responder.

Ouve que é assim que é, ouve que foi a educação, ouve que é mesmo por ter mau feitio, ouve, ouve, ouve, tanta coisa que nuns dias se sente um bambu velho podre e sem valor.

Talvez seja assim e pronto. Mas na televisão ouve pessoas especialistas dizerem que não é assim, que as pessoas não são assim, que não existe ser assim e pronto, que existe mudar, melhorar sempre, que existe tentar. E isso a faz acreditar nos dias bons. Nos dias não tão bons, volta tudo de novo.

Sempre essa dualidade, sempre essa rigidez. “Será que existe solução para isto em mim?” – pensa constantemente.

Continua a ler o livro e uma frase de Buda a faz parar: “A paz vem de dentro, não a procures à tua volta.” E vem outra de seguida de Lao Tsé: “Não podemos exigir que os outros sejam como nós queremos, pois nem nós somos.”

Vixe Maria! Nunca tinha pensado nisso. Como eles são capazes de tanto saber? Como tratam eles os bambus? Não desesperam? Nunca desesperaram? Entretanto outra frase da sabedoria oriental a impacta: “Não é o que você juntou, e sim o que você espalhou que reflete como você viveu a sua vida.”

Sua mente deu 5 piruetas. Como tudo afinal parece tão simples. Como de repente se sente mais calma e isso é tão bom! Como gostaria de ser sábia, ser bambu. Só tem um problema. Sábio escuta e ela não sabe escutar. Bambu não tem boca e ela sem boca, sem falar, sem tagarelar não respira. Tenta encontrar outra e outra frase para aprender, para melhorar. Quem sabe a leitura a salva...

Ana Santos, professora, jornalista

 

Sábado é dia de conto no Bug Latino. Contos diferentes, que deixam sempre alguma reflexão para quem lê. Contos que tentam ajudar, estimular, melhorar sua vida, seu comportamento, suas decisões, sua compreensão do mundo.


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Imagem: Mary Vieira

 
 
 

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