top of page

2 Contos: “HUGO NÃO SE IMPORTA” e “A Morte saiu à Rua”

  • Foto do escritor: portalbuglatino
    portalbuglatino
  • 5 de jul.
  • 5 min de leitura
Felícia Leirner
Felícia Leirner

Conto “HUGO NÃO SE IMPORTA”

              Era bem difícil ela, o povão, sua comunidade, terem vontade de participar de alguma campanha. Tinham sempre tantas coisas pendentes... Contas ocupavam o primeiro lugar na “parada fiscal” da sua vida. Tinha aquelas que todos pagavam porque senão a casa parava: luz, gás, água, IPTU, transporte, comida. Tinha as pequenas fraquezas: desde que tinha entrado naquele crediário e comprado o celular, seu pensamento funcionava com mais 21 prestações. Graças a Deus, conseguiu pagar a primeira sem problemas.

              - E serão todas assim!

              Começou a ver uma porção de comentários sobre um negócio que estava passando no YouTube que falava que os deputados tinham derrubado uma lei que cobrava mais imposto dos ricos pra aliviar a carga dela, que descontava para o imposto de renda na fonte desde...

              - Sempre, eu acho...

              Olhando o YouTube, achou aquele programinha engraçado porque nunca perdia uma programação super bacana que tinha antigamente no PLANETA DOS HOMENS e TV PIRATA. Cada piada... Pois é: apareceu um programinha com aquele humor de quem não perde a viagem. O tal “HUGO NÃO SE IMPORTA” e tudo o que havia de errado no Brasil, feito pelos deputados, estava lá. Ácido.

              Ficou com uma peninha do deputado Hugo que durou, assim... 1 minuto.

- Era só o que faltava a gente ter que pagar para os ricos serem “café com leite” na vida... Eu mesma entendi que o nome imposto existe porque a gente é obrigado a pagar. Senão seria facultativo e não imposto, certo? Ninguém “engana” o governo, que vem “fervendo” pra cima da gente. Mas só de pensar que para os muito ricos os impostos chegam bem pequeninhos, me dá uma fervura no sangue...

Começou a ir no Instagram do “Excelência” e deixava lá sua revolta. Ia lá todo dia. Deixava recado pra Paraíba:

- Quem votar nesse cara ano que vem não merece nada nessa vida!

Começou a ver gente contra e gente a favor. Começou a ver a discussão ferver. Uma coisa era certa: ela saia da discussão melhor do que antes porque os assuntos eram reais: por que os ricos podem não pagar imposto e nós temos, somos obrigados? Por que os lucros dos ricos sofrem tão poucos descontos? Por que a vida deles precisa continuar a ser muito – muito mesmo – melhor do que a nossa?

- Soube que ter lancha não paga imposto! Avião!

- Mentira!

- Lucro paga menos imposto do que salário!

- Jura?

- Fala meu povo escravo do trampo!

- Ahahahah! Bora lá zoar o cara no Insta dele!

E assim todo mundo fez. A TV falou que o povo se comportava mal, mas entre a gente zoar esses deputados e eles nos passarem a perna de novo, era melhor o pessoal da TV lembrar um detalhe importante: Quando o povo entende, cobra. Direitinho.

- É “Excelência”, pode fugir, pode chorar, mas democracia é isso! Agora nós podemos jogar o mesmo jogo!

E entrou no Insta com o coração já pronto para cobrar e fiscalizar o que eles tinham deixado de lado por anos!

- Venha quente “Excelência”, que eu já to fervendo! Chore Hugo, chore!

Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV

 

Conto “A Morte saiu à Rua”

Era um dia de calor. A sala de casa estava quente. Sentia-se abafada com o calor, mas só tinha olhos e pensamento para a televisão. Estava vendo um jogo de futebol fantástico. De repente o jogo foi interrompido. Um jogador no chão de boca aberta, olhos abertos, sem reação. Novo, lindo, famoso, rico, ali, morrendo na frente de todos. Os colegas e adversários de mãos na cabeça, fugindo da situação. A televisão, sem saber o que fazia, filmava tudo – algo que deixou de se fazer. Ela parecia que morria junto. Seu coração começou a querer pular pela boca. “Será que também vou morrer? – pensava assustada. “Se este atleta morre assim, do nada, imagina eu, sedentária, com peso a mais e comendo só o que não presta...” Não conseguia ficar ali mais tempo. Desligou a TV, saiu para a rua, tentando ocupar a sua cabeça com coisas úteis, mas a cidade só falava nisso. Não foi um choque só para ela, o mundo também estava em choque. Quem sabe também assustado e com medo de morrer assim.

Os clubes de futebol começaram a aumentar os cuidados no despiste de atletas e funcionários do clube em risco de morte súbita. Muitos atletas famosos aumentaram seus cuidados com sua saúde. O mundo médico no esporte e não só, passou a ter esse problema na mira.

Um dia encontrou um velho amigo e ele, transtornado, lhe contou que assistiu a morte de um outro amigo, na sua frente. Uma bala perdida, de um assalto à mão armada do outro lado da rua. Estavam saindo de um restaurante, ouviram barulho do outro lado da rua, vozes avisando que era um assalto, diziam “escondam-se”. Ele olhou o amigo para se esconderem juntos, mas já era tarde. O amigo já estava estranho, sangrando, com um olhar diferente. Não adiantou nada suas tentativas de o salvar. Ela viu a dor nos olhos do amigo. Que medo sentiu de viver uma situação assim. Desde esse dia, odeia ainda mais armas, tiros, agressões, gente maldosa, interesseira, ladrões.

Sabe que não pode impedir que a vida a obrigue a viver situações dessas, ou piores, mas não deixa de ter medo. Ao mesmo tempo, os mais velhos sempre lhe dizem que não adianta ter medo. Tudo o que tiver de acontecer, vai acontecer.

Numa destas manhãs se assustou mais uma vez com a morte dizendo firmemente que está presente. Para ela nunca a esquecer. Um dos jogadores portugueses que ela mais gosta, morre de acidente de carro, junto com seu irmão. Com 28 anos. Assim, sem espinhas, sem aviso, sem preparo. “Tomem lá para ver se percebem que eu existo” – diz a morte. “Vocês dizem que sabem que eu existo, mas quando apareço, não gostam, né? Bom, está na hora de entenderem que eu tenho o direito de aparecer quando quero, quando acho que é o momento, quando decido.”

Ouve a voz da morte, escuta ela rindo, zoando, mostrando sua vaidade, seu poder. “Não posso lhe dar todo o poder da minha vida, apesar dela ter o poder de me levar quando quiser.” – pensa.

- Me leva quando quiser, mas enquanto estou aqui, quem manda sou eu, ouviu? – Grita ela, a plenos pulmões, para a morte. “Chega de me atazanar a vida, de tentar me assustar, de me impedir de viver. Tenho muito ainda para fazer aqui, nem que para isso tenha apenas 5 minutos. Sua morte miserável”

- Dona Ana?

- Sim Dona Fuerte. Tudo bem?

- Mais ou menos, Dona Ana. A senhora fica falando mal de mim, aos gritos, para toda a gente ouvir. Eu sou estrangeira, sou velha, mas mereço respeito Dona Ana. Por favor...

- ahahahahah...ai Dona Fuerte, só a senhora para me fazer rir nessa hora. Eu estava falando com a morte, mas deixe para lá. Venha aqui em casa agora, venha. Estou fazendo um bacalhau daqueles que a senhora ama. Vai saber melhor se o comermos juntas. O que acha?

Ana Santos, professora, jornalista


Sábado é dia de conto no Bug Latino. Contos diferentes, que deixam sempre alguma reflexão para quem lê. Contos que tentam ajudar, estimular, melhorar sua vida, seu comportamento, suas decisões, sua compreensão do mundo.

 

@buglatino

A Plataforma que te ajuda a Falar, Pensar, Ser Melhor.

 

 
 
 

Comments


ESPERAMOS SEU CONTATO

+55 71 99960-2226

+55 71 99163-2226

portalbuglatino@gmail.com

  • Facebook - White Circle
  • YouTube - White Circle
  • Tumblr - White Circle
  • Instagram - White Circle

Seus detalhes foram enviados com sucesso!

Acredita no nosso trabalho?
Faça uma doação
PIX: 07080548000138

bottom of page