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2 Contos de Natal


Conto “NATAL, SE FOR PRA TODOS”

Na Bahia, tem coisas muito particulares, inclusive aquele homem andando de armadura pela rua, como se fosse a parte viva e encarnada de Cervantes. Não havia ninguém nativo que não soubesse quem era porque se erguia nas ruas como um deus, um Exu, um Dom Quixote de La Mancha.


Há 20 anos atrás, toda a sua armadura era de metal e ele carregava o peso que a juventude não ligava de carregar porque os quilos eram leves diante do tempo.


Engraçado o tempo... bate e esculpe as gentes e elas, cada vez mais sábias, recorrem a materiais mais leves, se guardam para discussões que valem à pena, se resguardam. Pois o cavaleiro andante, qual um Rei Mago solitário, andou e anda pela cidade, sempre muito sério – quanto mais que seu rosto também está escondido de nossos olhos.


Um Rei Mago artista, que pinta, esculpe, canta... e anda com sua armadura por aqui. Salvador, Bahia. Alguém talvez tenha sentido que talvez ele precisasse de algo no Natal ou mesmo antes do Natal. Alguém talvez tenha lhe sentido a falta na pandemia.


Um ícone vivo, andante, que passa por todos e que como um Rei Mago, um Exu andante, compartilha um pouco da sua visão do mundo e da vida ao fazer-se obra de arte, ao derramar-se sobre nós como a luz de uma estrela que não queremos que seja cadente e sim que esteja firme no firmamento de nossas crenças em cavaleiros andantes, Dom Quixotes e Exus porque sem ver nele a nossa imaginação, o nosso desenho animado, revistinha, gibi, a vida seria uma nuvem de problemas insolúveis. Assim, o Natal ganha um novo brilho. Há tudo o que não sabemos resolver e há a esperança de que um cavaleiro andante nos mostre uma luz que consigamos enxergar e seguir, finalmente.


Feliz Natal!

Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV


Conto “Gostosuras do Natal”

Ana está sentada nas escadas do terraço. É dezembro e está muito frio. Ela abre e fecha a boca lançando sua expiração para o espaço, que mais parece fumo das chaminés. Adora fazer isso todos os anos quando vem o frio. Expira mais rápido, mais lento, com curvas, com interrupções. Inventa caretas para diversificar. Se alguém a visse ia julgar que era doidinha com as caretas e posições da boca que coloca neste divertimento gostoso. Mas isso não é importante. O quanto é feliz a fazer isso é muito importante.


Como já é noite e onde vive não tem muita iluminação, dá para ver o céu cheio de estrelas e a Lua. Sempre foi um mistério encantador olhar o céu. As pessoas grandes dizem que as meninas bem comportadas vão para o céu. Ela olha para ele e tenta perceber qual o local onde ela será acomodada, se passar na prova de comportamento na Terra. Se ficar num dos lados talvez tenha o perigo de cair de novo na Terra. E também poderá ficar torta, para não bater no teto inclinado das laterais do céu. Por outro lado, se ficar mesmo no meio do céu e estiver distraída, pode-se estatelar na Terra, bem no meio da vida dos humanos. É capaz de ser uma enorme vergonha. Lá no céu a roupa deve ser pijama e os pijamas dela já são velhinhos. Os humanos a olharem para o seu pijama desbotado e furado e para o ralado dos joelhos, da queda, não lhe agrada muito. Quando chegar ao céu, se para lá for, vai pedir um dos quartos do fundo.


Com todos estes pensamentos, distraiu-se de novo. Todos os anos a mesma coisa. Veio olhar para todos os lados e ângulos do céu. Quem sabe vê passar o Pai Natal, no seu trenó, conduzido pelas renas. Nunca viu um trenó voar, muito menos viu renas. Onde vive só mesmo galinhas e perus e não lhe parecem com força para carregar um velhinho gorduchinho, num trenó, carregado de prendas, pelos ares frios do céu. As pessoas grandes falam disso com tanta naturalidade que ela fica espantada. Tudo o que falam tem lógica, menos isso. Mas nem se atreve a perguntar nada.


Seus pensamentos não permitiram, mais uma vez, prestar atenção e ver o Pai Natal a passar. Está na hora de jantar e vai entrar em casa antes de alguém perceber onde está. Agora só para o ano. Deseja que o Pai Natal, apesar de ser velhinho, sobreviva mais um ano. Apenas para o ver passar...

Ana Santos, professora, jornalista


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