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2 Contos: “CIRCUITO BARRA – ONDINA” e “Carnaval na Bahia”


Alireza Shojaian

Conto “CIRCUITO BARRA – ONDINA”

Sua rua – sempre vazia e calma – de repente virou um furdunço. Carros por todos os lados, caminhões, paredes feitas de caixas de isopor, vendendo cerveja das marcas não patrocinadoras do carnaval e aquele um tom acima, em tudo: em impaciência, cara amarrada, gente jogada pelo chão, deitada em papelões, xixi, mau humor e turistas tentando se achar ou achar o carnaval.

- Preciso ir para a Aeronáutica!

- Disseram que os restaurantes demoram muito a servir aqui, é verdade?

- Como eu chego na Avenida Oceânica?

O que eu nunca suportei no carnaval e que se repete mais a cada ano é essa busca desenfreada pela perda da consciência, pela fuga dos fatos e realidades... Haja bebida pra anestesiar o que se vê de errado no mundo, gente...

Desceu a ladeira, tentou cumprimentar as pessoas normalmente, mas aquela coisa no ar lhe perseguia. Levava uma cadelinha fofa a passear naquele momento, já que sua dona estava com a perna machucada e não podia sair. Mas na rua, ela mal e mal brincou com uma pessoa, mal e mal lhe deu uma lambida e a pessoa se desgovernou, xingou, desejou cobras e lagartos, enquanto fiquei parada no mesmo lugar, sem ação nenhuma. Ou mesmo tendo a ação de ouvir aqueles xingamentos todos, sem nada além de olhar.

Nunca pensei que numa única semana ouvisse tantos xingamentos. Na TV, o ex presidente era o rei dos xingamentos e falta de educação, na rua a impaciência e a agressividade declaradas, em São Paulo, uma mulher na padaria dá um ataque de pelanca por ver um casal gay e dá um escândalo daqueles “em nome dos valores tradicionais da família brasileira”.

- Espantoso... Exigir valores da família, agora se resume a pessoas que resolvem tudo no grito e no tapa... e ninguém percebe que nenhuma família respeitável tem esses valores...

Entregou a cadela, deu mais uma informação, desceu a ladeira. Se espantou com três caminhões de montagem de som para festas de grande porte estacionados – será que eles pararam na sua rua e foram para o carnaval também? Ao mesmo tempo sua alma se iluminou com bandos de passarinhos voando por ali, pousando nos fios elétricos, cantando. Resolveu se concentrar na calma, fechou o portão e afinal percebeu que o ruído dos helicópteros, as fantasias, a agressividade faziam parte de uma busca que não era mais sua. Respirou fundo, à espera do dia seguinte, onde esperava um pouco mais de “bons dias” e boa vontade. Viver apenas para afogar problemas e mágoas com marcas diferentes de cerveja não era a sua proposta e se espantava como tanta gente no mundo precisasse tanto se anestesiar da vida...

Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV

 

Conto “Carnaval na Bahia”

- Claro que começou o Carnaval.

- Você falou isso por causa da quantidade de turistas?

- E não só

- Por causa dos preços terem aumentado?

- E não só

- Porque o cheiro de xixi nas ruas é fortíssimo?

- E não só

- Porque metade do povo do Bairro vai para a Chapada Diamantina?

- E não só

- Por causa do zumbido de festa que se ouve aqui em casa, a 500 metros do circuito Barra/Ondina?

- E não só

- Porque o Bell Marques canta todos os dias e em todos os anos e parece que está sempre com a mesma idade, com aquela cara sossegada, de guitarra na mão?

- E não só

- Quem não vai para a festa tem de ficar em casa sossegado para não ser apanhado na confusão.

- E não só

- Porque é um momento maravilhoso para ver os artistas como Ivete Sangalo, Daniela Mercury, Saulo, Ludmilla e outros, ali bem do seu lado.

- E não só

- Porque é o aniversário do Ilê Aiyê

- E não só

- Porque o povo turista todo tem um copo numa mão e o celular na outra, vestido com o Abadá.

- E não só

- Porque é um dos melhores momentos para celebrar a cultura Africana, afrodescendente e popular

- E não só

- Porque os ânimos estão muito agitados. Um toque de ombro é suficiente para partir para a briga

- E não só

- Mas você só fala isso. O que mais quer dizer que é Carnaval?

- Porque eu esqueci de comprar batatas para fazer o cozido de Carnaval e agora preciso pensar como e quando posso sair para comprar. E porque quero comer acarajé no Rio Vermelho, calmamente e não dá, não dá. E isso não está certo.

- Aff

Ana Santos, professora, jornalista

 

 

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