2 Contos: “A REUNIÃO DE HOJE” e “O Brasil”
- portalbuglatino
- 7 de jun.
- 4 min de leitura

Conto “A REUNIÃO DE HOJE”
A quantas reuniões já tinha ido na sua vida? Milhares, talvez milhões. E de todo tipo – lembrou de duas em especial: a pessoa não ia embora, mesmo sendo atendida comigo de pé, revezando com minha sócia. Mais de 10 horas, imagine... Foi algo parecido com tortura.
- Dá licença que eu preciso ir ao banheiro; dá licença que eu tenho fome; dá licença que minha sócia precisa resolver outros problemas... e nada.
Em outra ocasião foram muitas horas nos “empurrando” “auxiliares” para o Bug – também sem aceitarem não, até que ele veio redondo e rotundo.
A comunicação é mesmo 100% interpretativa; a gente muitas vezes diz continuamente que não e a pessoa não quer ver, não quer entender. Fica-se ali, ocupando o mesmo espaço, mas em planetas completamente diferentes. Você propõe parceria, aliança e a pessoa ouve “oportunidade de emprego para minha namorada”.
Mas hoje aconteceu exatamente o oposto. De uma maneira cada vez mais rara, estive em uma reunião onde as intenções foram claras. Nada de “golpes ocultos e pegadinhas”: você quer isso, quando faz isso, e eu me programo pra estudar as ações que vocês executarem. Havia um plano, mas para além do plano, havia aquela alegria que a gente tem quando se vê no raríssimo ambiente ao redor de alianças e parcerias.
E não – nenhuma rasteira ou golpe em ninguém para crescer. Na verdade, nenhuma fofoca sobre nenhuma pessoa, sequer. Não perdemos tempo, embora tenhamos falado de coisas importantes para a melhoria das nossas empresas e até aberto nossos corações. Uma reunião com três mulheres – todas diferentes e diferenciadas. Verbais – uma categoria de pessoas cada vez mais rara.
E assim, sem abobrinha, nem fofoca, em pouco mais de uma hora, refizemos planos, organogramas, temas, reorganizamos ideias, apresentamos novos planos, falamos por alto da força de um projeto, obtivemos indicações e fizemos convites para novas gravações, numa aliança de ideias boas.
Nada de roupas chiques, desfiles de moda ou petulâncias inúteis. Online, descabeladas. Felizes.
Onde alguns homens têm a cabeça quando marcam reuniões para nos “coagirem” a aceitar o que eles querem, achando que uma “maratona” vai conseguir?
Não importa a idade: hoje fomos apenas “meninas felizes planejando como continuar a fazer bem ao mundo” e todos poderiam – e deveriam – fazer o mesmo porque é divertido seguir seu talento e produzir. Só isso.
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
Conto “O Brasil”
Primeiro era um país de sonho, o país onde vivia quase metade da família. Conhecia pelas palavras e entusiasmo dos outros: os que visitavam, os que vinham ao seu país visitá-la. Era nova, vivia num lugar pequeno, imaginava o Brasil como um lugar perfeito, como tudo o que imaginamos quando somos jovens e só ouvimos coisas boas.
Depois, já adulta, teve um trabalho que lhe permitiu ir ao Brasil algumas vezes e onde ela tinha mais interesse: Bahia e Rio de Janeiro. Tudo perfeito. Na Bahia as pessoas a trataram lindamente, com muita gentileza, carinho, disponibilidade. Sentiu-se em casa. No Rio de Janeiro foi igual. Teve oportunidade de ficar em Copacabana, em Botafogo. Em Copacabana ia a pé para o trabalho, em Ipanema, pela orla – um sonho. Quando esteve em Botafogo ia de ônibus para Ipanema. Como a viagem demorava, ela lia muito enquanto passava por bairros residenciais, naquelas cariocas ruas cheias de árvores, lindas, enormes, volumosas e muito verdes, enquanto lia o livro “A Casa dos Budas Ditosos”, de João Ubaldo Ribeiro. Tentava imaginar onde teria vivido a personagem do livro. Tudo parecia encaixar: o livro, o conteúdo, as ruas, a viagem – como comer amendoim nas festas juninas. O Brasil do glamour, das idas ao restaurante japonês, às churrascarias com seus rodízios, às lindas casas cariocas dos amigos e das amigas, às peças de teatro com atores como Raul Cortez. Um luxo.
Depois, recordar o Brasil no seu país, comprando bilhetes de todos os shows de cantores e grupos, comendo de vez em quando nos restaurantes, frequentando bares com música brasileira.
Um dia a vida mudou 360 graus e foi viver e trabalhar para o Brasil. Com muito entusiasmo esperando encontrar esse mesmo Brasil já seu conhecido. Mas a vida muda, as pessoas também. Teve impedimentos em todos os sentidos e em todas direções. Dificuldades. Bloqueios. Aprendeu que um coisa é visitar um país e outra é viver nesse país. Aprendeu que as pessoas gostam muito quando são bem tratadas, mas gostam menos quando têm de tratar. Aprendeu a perder, aprendeu a mudar, aprendeu a aceitar. Aprendeu que as pessoas mudam ou fingem bem. Quis ir embora, quis desistir, quis dizer ao seu Brasil amado que não aguentava tanto descaso. Não gostava deste Brasil, não queria este Brasil.
Um dia conheceu J, a cozinheira que a mãe devia ter conhecido, deviam ter sido amigas para mudarem o mundo gastronômico.
A, o poder da bondade, perspicaz e gentil.
A mulher da ilha, a força de um país, o sorriso e o olhar nativo.
O homem das ervas que a vê por dentro e por fora sem ela dizer nada. Impressionante e protetor.
O artista historiador, que reúne o país inteiro dentro de si.
E o R, a N, o amigo, a M, o F, o L, o que abre a janela, o que fica com as mudas, o que vende parafusos, o que vende pão, o que trata do estacionamento, o que fiscaliza, o que abraça, o que salva, o que cuida, a que está presente, o que cumprimenta, o que oferece carona, o que reconstrói.
Aos poucos do tempo se foi construindo um lugar, um lar, uma casa, uma família, uma paz. Um bem. Um país.
Eis que voltou o seu Brasil.
Ana Santos, professora, jornalista
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