Um show dedicado à paixão – de todos e de maneiras diferentes. A paixão que Ana tem por nós aqui no Brasil e sua emoção diante do fato de ter realizado sua primeira apresentação - e exatamente na Bahia – debaixo do mesmo céu do Descobrimento, dentro do abraço de Dorival Caymmi, dos orixás e das mães de santo – mulheres fortes, que sabem amar – aqui e além mar.
A paixão que fazia com que os velhos portugueses presentes quisessem re-sentir e significar o peso das saudades, das raízes - o que acabou impedindo Ana de sentir o calor e o ardor da receptividade à brasileira, no tempo presente – embora eu tenha tentado o melhor possível ser essa “voz do Brasil” caloroso.
A minha própria paixão, já que estudo vozes há mais de 40 anos e sei o quanto é difícil modular uma voz com aquele alcance, aquela dimensão e dentro daquele nível de emoção, sem dar um único grito. Sem deixar nada lhe escapar do controle técnico. Ah, sim a voz lhe tremeu no início – mas é belo dividir técnica e emoção, controlando tudo, todas as coisas, tremendo as mãos, fechando os olhos. Sentindo.
A paixão por Portugal – ainda que eu não me canse de repetir que alguém precisa perceber que nós, brasileiros, não conhecemos a nova música, o novo fado, o novo arranjo, a música popular, a cultura, a arte, a evolução, a política progressista; na verdade ninguém parece se lembrar que Brasil e Portugal já saíram de 1500 há mais de 500 anos e que precisam se re-conhecer, se re-apresentar.
A paixão pelo novo, ao redor do histórico porque eu fui sem saber o que esperar e me espantei com arranjos novos, que acolhiam muito bem e numa mesma memória, acordes de fado que nada tinham de pesados dessa dor portuguesa que ninguém sabe direito como foi parar toda num lugar tão pequeno. O fato é que ali estavam os mesmos fados, uma emoção gigantesca - e ainda havia o espaço pra sentir uma leve lembrança de forró, naquela vontade de pegar um par e sair dançando – os velhos senhores presentes odiariam mais essa falta de modos – orgulho brasileiro - que os artistas amam sentir e que afinal ficamos devendo.
Meu sorriso quando o maestro balançou seu chocalho imaginário e eu me perguntei o que aconteceria na plateia se eu tivesse uma caixa de fósforos comigo para marcar o ritmo do qual ele sentiu a falta.
Foi um gesto inteiro de amor e uma voz que soube derramá-lo sobre nós, na plateia. Uma apresentação linda, perfeita. Soberba. Assim como soberbo também foi o gesto do Consulado. Será que ano que vem veremos Ana de novo?
Foi imperdível.
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
É um sentimento estranho, assistir a um espetáculo como o de ontem. Estar no Brasil onde sempre busco saber, ouvir, as musicalidades brasileiras e afrobrasileiras. Ainda mais em Salvador- Bahia, um dos maiores centros de criação de música do mundo. Pois é. Estar num lugar tão rico musicalmente e ficar arrebatada ao assistir uma cantora portuguesa - Ana Laíns, é obra. Vinte e dois anos de carreira e a primeira vez no Brasil. Impressionante como o “sistema” demora, por vezes, a colocar alguns artistas na “roldana”. Muito versátil, trouxe um espetáculo inteligente, culto, rico, surpreendente. Deu uma aula de história, de cultura, de cidadania à medida que ia cantando e ia explicando os contextos e o valor de cada letra, música, ritmo. Coragem e a nobreza para cantar José Afonso – o nosso querido Zeca Afonso que precisa ser mais conhecido aqui. Obrigada Ana Laíns. Com um poder vocal absurdo, capaz de cantar canções habitualmente cantadas por Dulce Pontes, na maior tranquilidade. Um ouvido que diria “absoluto”, com uma afinação primorosa, agarra uma das canções mais conhecidas, cantadas por Ivete Sangalo, canta igualzinho e também experimenta outras variações. Fiquei fascinada, me senti em casa, me senti realizada. Raramente um artista consegue trazer um repertório tão bem articulado, pensado, acolhedor. Ana Laíns e seus talentosos músicos trouxeram o seu coração, a sua alma e a entregaram ao público. Confiaram. Isso é incrível.
O público parecia um pouco paralisado, não sei se por causa da pandemia e de ser a primeira vez num evento, para a maioria. Mas Ana Laíns merecia mais calor. Fortaleza e Brasília, aqueçam o calor de Ana Laíns. Ela vai aquecer muito o vosso.
Próximos concertos de Ana Laíns no Brasil:
Dia 20 de novembro, Auditório Waldyr Diogo, Fortaleza (Ceará)
Dia 23 de novembro, Centro Cultural Banco do Brasil, Brasília (Estado Federal)
O Bug Latino agradece o honroso convite ao Cônsul Geral de Portugal em Salvador. Somos muito gratas. Amamos!!!!
Ana? Você volta no próximo ano, por favor?
Ana Santos, professora e jornalista