
É um choque, um soco. Principalmente porque não sabemos mesmo o que fazer, como proceder e principalmente o que é melhor para nossos pais. Ninguém escolhe pensar por eles. Ninguém decide decidir por eles. Num dado momento é espantoso ver os lugares sendo trocados e você ser colocado diante do impensado: o que fazer da velhice, se ela vier acompanhada não da pessoa fofa que lhe criou, mas de uma pessoa nova, senil, demente, com memória prejudicada ao ponto de se esquecer de coisas básicas como quem é você?
Um filme como esse, num momento da vida como nós a temos hoje é crucial porque a tecnologia avançou e a sociedade esqueceu de se questionar sobre nossos caminhos futuros. Estamos agora diante de pessoas que vivem muito mais e que se perdem mentalmente e a sociedade não gastou tempo suficiente nessa questão. Ao contrário. As pessoas falam menos entre si – cada vez menos, aliás – e mais pelas redes sociais, onde basta você dizer quem é, mostrar uma foto da sua comida, do seu cachorro, 3 emojis e pronto – ficou íntimo. Assim, se já não tínhamos a enorme intimidade que fingíamos ter com nossos pais, essa nova geração mal sabe o que aconteceu, se não estiver no feed de alguém. E nos feeds nunca tem muita coisa sobre felicidade, se você estiver infeliz, ou confuso ou inseguro. Ou os três!
“Tudo o que tivemos” tem um soco no peito de potência porque não existem vilões suficientes na vida familiar pra jogar a culpa e sossegar. Poderia ser a sua vida. Está sendo a vida de muitas pessoas.
Hilary Swank, sempre primorosa, numa vida em preto e branco, monótona e insuportável. Aliás, nem dá pra falar só dela. O elenco inteiro é primoroso. Blythe Danner enche e esvazia os olhos de vida durante toda a projeção. Robert Forster e Michel Shannon têm tanta energia que dá vontade de obedecer ao que eles falam apenas para que as discussões acabem. Mas eles se antagonizam o tempo todo. As discussões não acabam. Principalmente as na vida real.
Recomendo que TODOS, que as famílias inteiras assistam ao filme e depois pensem no que querem que seja feito. Sendo a sua mãe e não esquecendo que a sua mãe abre a porta do tratamento que você vai receber, no futuro.
A tecnologia olhou o futuro e nos aproximou dos “Jetson”. Socialmente, porém, nunca fomos tão “Sauro” como agora.
Há muito o que pensar. Não percam tempo, portanto: vejam o filme. Conversem depois.
ANA RIBEIRO
Diretora de teatro, cinema e TV
Nos assuntos da vida tentamos dar opiniões e achar as melhores decisões, mas serão ilusões de nos acharmos capazes de resolver melhor do que os outros assuntos que não têm solução perfeita. E quando esses assuntos surgem na nossa vida, aí entendemos melhor porque ninguém consegue a saída perfeita. As pessoas apenas sobrevivem, elas fazem o que podem com o que têm. Elas ficam em estado sobrevivência e sem tempo para refletir, apenas conseguem reagir. A vida é um caminho de situações caóticas. A nossa função é organizar esse caos constantemente. Algumas vezes a organização supera o caos, algumas vezes o contrário. Quando o caos de cada um é o mesmo de todos, a exigência aumenta em cada um. Porque você precisa dos outros e todos precisam de cada um para resolver esse caos. As diferentes opiniões, vidas, condições, precisam ser conhecidas e aceites entre todos. E saber tomar a melhor decisão naquele momento, com o que têm e com o que podem e com o que são capazes. Não com o que desejam e com o que acham certo. Com o que é possível. E aceitar.
Nesses momentos, ter consciência do que as palavras podem ajudar ou destruir, é importante. Você está em ebulição interior. O que você pensa e sente nem sempre deve ser o que você diz. Por que você está em carne viva, mas os outros também estão, mesmo que não pareça e que digam que estão ótimos.
Este filme me diz muito por várias razões. E a vocês também dirá, por várias razões. Acho importante que o vejam. Tem muito para ver e para refletir.
Esquecemos sempre mas não existem momentos iguais. Viver o momento é uma escolha importante porque ele não se repete. Parece, mas não se repete, mesmo quando parece igual.
“Todo o mundo é capaz de dominar uma dor, exceto quem a sente. ”
William Shakespeare
"Essa conversa de que a pessoa só dá valor quando perde não é verdadeira. Cada um sabe exatamente o que tem ao seu lado. O problema é que ninguém acredita que um dia vai perder."
Clarice Lispector
Ana Santos, professora, jornalista
Site Saladearte:
Informações sobre o filme: