A história de Simonal faz parte de dramas nacionais conhecidos que incluem inveja, preconceito, fama e as consequentes vaidade e ingenuidade, diante do trato da falsa sensação de poder que o dinheiro traz.
O cara era um gênio do ritmo, fazia o que queria na divisão de cada canção. Letras simples e maravilhosas, com um toque infantil que colava – e ainda cola até hoje.
Impossível perceber que o disse me disse da ditadura poderia destruir totalmente a carreira, a fama e a vida de uma pessoa – mesmo ela estando perdida diante de sua vaidade e do poder de persuasão que supunha ter a qualquer custo. Ou seja: ele foi destruído e isso é inaceitável. Mas ele também foi injusto. Um cara como ele poderia facilmente recorrer à justiça, com a mídia correndo ao lado. A ideia de “simplificar” é absurda, mas no Brasil, parece que todo mundo pensa nisso primeiro. Ao invés de denunciar, vamos dar um cacete, que dá no mesmo. Não dá. Nunca dá.
Daí vem a parte dois, a do filme: achei que muitas vezes ele ficou confuso, com opções de cena que eu não usaria. O ápice dessas opções foi que se gastou muito reproduzindo cartazes e shows com Fabrício, pra depois lançarem o show do Maracanãzinho gravado, Simonal gravado, plateia antiga real – e se podia ser assim, por que não foi tudo assim, se Fabrício ia fazer mímica de Simonal o filme todo mesmo? Há umas cenas onde se misturam imagens e que também não me ajudaram a imaginar o momento.
Fabrício foi meu aluno na Escola de Teatro. Eu conheço o trabalho dele e continuo achando que o seu talento é bem maior do que já foi mostrado. No filme, ele tem momentos onde encosta mesmo na percepção dos movimentos, da forma de virar a cabeça, gesticular de Simonal. Mas engraçado que eu nunca imaginei tanta raiva saindo dele em forma de gritos, por exemplo. Fiquei um pouco confusa entre a imagem que fizemos e a que foi retratada – o que não aconteceu em Rocketman, por exemplo – tanto o ator, quanto Elton John tinham a mesma medida – uma espécie de equilíbrio entre vida real e a ficção biográfica.
Enfim, já vimos desde o ano passado tantos bons filmes biográficos, realistas, que eu achei que Simonal fosse seguir a mesma linha. Não que ele devesse tê-la seguido, mas eu não acompanhei a emoção do filme, não consegui mergulhar e isso me frustrou bastante. Fora isso, o Brasil precisa deixar de usar esse “falso moralismo” para julgar, condenar e executar a “pena social” de qualquer um que ouse ser diferente. Simonal apenas sofreu as consequências da nossa hipocrisia histórica. Era um dos visíveis. E não sossegaram até que ele voltasse a ser invisível – imperdoável.
ANA RIBEIRO
Diretora de teatro, cinema e TV
Filme que aborda a história de vida de Wilson Simonal, um gênio da música brasileira que parece ter sido “”esvaziado” pela sua vaidade, por ser negro e pela inveja de alguns. A vida misteriosa, de um homem lindo, charmoso, talentoso e alegre, mas muito vaidoso, confiante, talvez arrogante, destemido e negro, em plena ditadura do Brasil. Uma mistura explosiva. Um negro lindo e charmoso que tinha as mulheres todas ao seu redor, que tornava letras e musicas em sucesso cheio de swing e em dinheiro e que enfrentava o sistema sem nenhum medo. Em plena ditadura foram provocações que pagou caro. A sua vaidade também parece ter mexido muito com os poderosos inseguros. E confiar cegamente nas pessoas que lidavam com sua vida financeira e pessoal também não ajudou.
Só tive a honra de conhecer a vida e canções de Simonal aqui o Brasil. Os portugueses iam amar a sua música. Ainda hoje.
Para mim fica de novo a sensação de que quando alguém que deveria ficar no seu “lugarzinho” foi em busca do que era capaz de fazer e do que achava que tinha direito, se não se cuida e vacila, é engolido.
As músicas eram e continuam a ser sensacionais. Sensacionais. Um cara com um swing fora do comum. Experimentem ouvir as suas músicas na internet. Estão lá quase todas. “Meu limão, meu limoeiro”, “Sá Marina” (amo...), a música que dedicou a Martin Luther King e ao seu filho e a todos os negros, “Nem vem que não tem”, etc, etc, etc.
Ao assistir o filme me lembrei muito do que sucedeu com Amália, na ditadura portuguesa. Quase que a maior fadista de todos os tempos era “engolida”. Salvou amigos da tortura, nunca saberemos a que custo. Sua imagem ficou danificada para sempre mas conseguiu resistir. E as opiniões dividem-se sobre o que lhe sucedeu e vão dividir-se sempre, enquanto as pessoas decidirem se colocar de um lado apenas. Quando vamos aprender que não existem lados, que vivemos todos no mesmo lugar e queremos todos ser felizes? Que existem apenas opiniões diferentes que devem ser respeitadas? E que o talento das pessoas é para ser exercido, para ser vivido e apreciado? E que é mais útil desenvolver o nosso próprio talento do que ficar invejando o talento dos outros? Julgo que isso será um dos próximos grandes passos da humanidade. Um outro passo que precisamos de dar seriamente é o de não esperar pela morte das pessoas para lhes dar o verdadeiro valor. Wilson Simonal era um gênio como cantor. Terminou a vida sendo excluído ou castigado, não sei bem. E ainda hoje e pela eternidade sentiremos uma imensa alegria e felicidade em ouvir suas canções. Isso não me parece justo.
Se o filme aparecer em Portugal, não percam. Mas se puderem, vejam documentários sobre a sua vida e ouçam suas músicas na internet. E depois pensem se alguém que tinha essa alegria e a capacidade de a passar às pessoas, merecia ter morrido triste e humilhado.
Ana Santos, professora, jornalista
Informações sobre o filme:
https://www.imdb.com/title/tt6145054/
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