
Eu não esperava que tantas micro cenas entrelaçadas me arremessassem tão fortemente para a vida, mas o filme precisa ser muito bem amarrado para mesclar tantas cenas e nos prender pela memória afetiva – e o filme cumpre sua proposta, com uma trilha forte, conhecida, coberta de momentos que relacionam tudo.
O humor francês é sempre muito peculiar – irônico e com tendência ao ridículo – e torna as inúmeras separações das nossas vidas de alguma forma risíveis, embora tristes. Na verdade, nos perdemos tanto uns dos outros que nem sei como conseguimos nos achar em algum momento. Somos apenas interesseiros? Facilmente nos deixamos manipular? Manipulamos? O quanto cada um de nós está disposto a mentir para resguardar status antigos?
Ainda bem que no final todos apenas preservam o que importa e que se traduz pelo prazer de estarem juntos, seja como for. Adorei o fracionamento e o entrelaçamento entre as cenas, numa “bagunça” muito bem organizada, adorei a luz e a escolha dos cenários e paisagens. Adorei boa parte da interpretação dos atores, mas a respiração exageradamente alta de François Cluzet foi-se transformando numa coisa over e difícil de lidar. Ele respirava alto para ilustrar cada emoção e sendo o protagonista (!), suspiros e arfares de todos os tipos foram a marca da sua atuação.
De todo modo, eu adorei o filme. Leve, mas mantendo a inteligência, com questões familiares e afetivas em alta – a França tem apontado seguidamente o nosso problema crescente em manter relações – o filme espelha uma geração que ainda está presa à opiniões dos outros e em busca de experiências afetivas reais.
Quem beirar os 50 ainda vai se lembrar de todas as músicas – dançantes, fortes, incríveis.
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
Imagine-se numa fase da sua vida em que, perdeu um filho, se divorciou e seus negócios não estão propriamente uma maravilha. Tudo “dando errado”. Você, se isola, se afasta das pessoas e não conta a ninguém dos seus problemas por vergonha, por orgulho. E quando alguém quer saber se você está bem, você mente porque tem medo de ser humilhado, envergonhado, considerado um falhado. E, com isso, piora tudo e se piora por dentro. Quantos seres humanos no século XXI estão fazendo isso neste momento? Coloque problemas diferentes se quiser. Problemas de “ricos”, problemas de “pobres”, o que você quiser. Verá tudo igual em todo o lado: as pessoas fingindo, mentindo, se isolando, desistindo. Deprimindo. E a descida da ladeira aumenta cada vez mais.
Conhecemos muitas pessoas ao longo da vida. Serão poucas com quem realmente poderemos contar. E essas, são discretas. Não fazem da sua ajuda um motivo de visualização nas redes sociais, nem motivo para subirem nas castas familiares, castas de amizade ou castas profissionais. Elas apenas te amam e te querem feliz. E fazem o que puderem para te ajudar. Onde está a sabedoria da vida? Prestar muita atenção para distinguir estas pérolas dos seres humanos que se aproximam para sugar a tua luz, a tua energia e para subir pelos teus ombros. Subir para onde? Não sei responder. Talvez tenham aprendido erradamente que viver é estar “por cima”, ser “melhor”, estar “na frente”.
Existem tantos cursos de Coaching/Coach. Se todos forem líderes quem será liderado? Quem aceita esse lugar, de liderado, de grupo, de colaboração que é o mais importante na vida no nosso planeta? Seria mais útil fazer cursos de aprendizagem de vida em sociedade, de aprender a viver com e não contra, a lidar com a competição da vida de forma saudável. Se não conseguirem aprender na família, na escola – os melhores lugares.
Nas separações, divórcios, etc, se dividem vidas. Se perdem rituais, rotinas, pessoas. Se desmoronam castelos de areia. Castelos de sonhos. Muitas vezes são bons momentos para percebermos o que realmente é importante e quem te protege e te quer bem.
Este filme mostra-nos de uma forma muito delicada, como situações muito difíceis que todos já passamos, estamos a passar e/ou vamos passar, são um filtro que deixa só o essencial e os “nossos”, junto de nós.
Escancaradamente nos recorda as pessoas que pela idade são adultas, mas pelos seus comportamentos e desejos, são adolescentes. Insatisfeitas, ou resignadas, ou sem objetivos na vida, ou considerando os filhos como empecilhos ou prisões, ou querendo preencher o seu vazio e a sua insegurança com relações pontuais, com quem os olha mais do que duas vezes. Etc, etc, etc. Muito interessante a forma como tudo é mostrado no filme. Muito verdadeiro e real. Um retrato muito assertivo da imaturidade de muitos adultos da atualidade. Adultos imaturos que estão em lugares poderosos e importantes da sociedade. Adultos imaturos que decidem a vida de muitos adultos maduros. Adultos imaturos que estão a educar os seus filhos, as pessoas do amanhã... Chocante. Preocupante.
Novamente um filme que nos mostra que ter dinheiro e contratar pessoas para tratar das nossas coisas, dos nossos filhos, não é viver. Não é nada. É criar vazios, aumentar os vazios.
Casas lindas, mais um local da linda França onde dá vontade de viver. Muito legal que muitos filmes franceses nos últimos anos tenham saído da cidade de Paris. Paris é uma das cidades mais belas do mundo, mas a França é muito bonita e é bom mostrar ao mundo isso.
A banda/trilha sonora é sensacional.
O ator principal pareceu muito exagerado nas expressões faciais, na respiração e movimentos corporais. Um ator experiente que optou por um perfil um pouco desorganizado. Parecia que estava permanentemente prestes a ter um surto. Menos teria sido mais na minha modesta opinião. Mas, um filmão. Delicadamente fala de muita coisa da vida. Vá. Veja. Vai gostar, Vai se ver.
Ana Santos, professora, jornalista
Informações sobre o filme
https://www.imdb.com/title/tt8201404/?ref_=ttrel_rel_tt
Circuito de Cinema Saladearte