
Um documentário atordoante. Deu vontade “n” vezes de pedir pra dar um “pause” e pensar melhor, realizar melhor o que estava sendo dito. A começar do nome imoral – parece depreciativo – e se não fosse? Eu fui atrás da definição: imoral: contrário à moral, às regras de conduta vigentes em dada época ou sociedade ou ainda àquelas que um indivíduo estabelece para si próprio. E quais seriam as regras? A gente logo pensa em regras como honestidade, mas se não fossem? Se a regra que judeus matam muçulmanos e vice-versa forem questionáveis, já que uma criança é apenas uma criança em qualquer lugar, qualquer civilização? E se a regra em que, no Brasil, quem está na cadeia tem que ser esquecido lá pra sempre, precise ser revista?
Quem fala desse assunto coloca a moral em xeque. E não seria óbvio que todos os líderes já a colocaram assim? Gandhi, Luther King, Jesus? Eles não colocaram a ordem vigente, a ordem social em xeque? O nosso normal costuma ser justificar a compaixão ou a crueldade?
Cabeção. Muito cabeção. Um filme onde você vê o Brasil como um País que precisa de almas imorais, de pessoas que revisem, discutam, problematizem tudo o que é vigente no sistema de justiça, no sistema humano, nas castas sociais que não conseguimos quebrar e que o governo insiste em dizer – como sempre, aliás – que a culpa é de perseguição da imprensa, das ONGs, dos artistas, dos que pensam, dos inteligentes, dos que estudaram, dos que insistem em sonhar com uma sociedade mais igualitária. Dos que querem liberdade, igualdade e fraternidade. Dos que insistem em continuar falando mesmo que a regra seja calar a boca.
Um filme mental e espiritual ao mesmo tempo. Você sai do cinema aturdido, mas se olhando com a convicção de que não importa o que você esteja fazendo – é preciso fazer mais.
O Bug Latino nasceu dessa indefinível sensação de que a organização social atual empobrece verbalmente as pessoas e as sociedades e que o empobrecimento leva ao aumento do sofrimento que não consegue se exprimir em palavras porque falamos menos. E daí – falam os incautos? Daí, que sofrimento não falado vira dor física e nunca estivemos tão ansiosos, inseguros e com medo de passos básicos como agora. As crianças tentam se machucar quando deveriam estar subindo em árvores – ah! Não podem mais fazer isso – correndo pela rua, andando de bicicleta, pulando o muro da vizinha – ah! Nada disso mais é possível. Pouca vivência real do corpo, de sua função, de sua convivência com outras pessoas, espaços, corpos.
Dificílimo falar em tão poucas linhas do que estamos fazendo da existência humana. De quem somos e para onde iremos. De quem somos e para onde queríamos ter ido.
O filme passa da definição dos imperdíveis. É necessário ver e pensar um pouco sobre qual é a sua contribuição. Qual é a sua contribuição? Dizer apenas que o mundo precisa de paz é a melhor maneira de fazer com que permaneça nesse estado.
ANA RIBEIRO
Diretora de teatro, cinema e TV
Um documentário a não perder. No Brasil, um documentário de mais de duas horas nos cinemas e na televisão num conjunto de 5 episódios de 50 minutos.
Se prepare. Não é um documentário apenas interessante. É denso, profundo, complexo. Dá vontade de assistir com conversa. De a cada 10 minutos fazer uma pausa para conversar, assimilar tudo o que se ouve e tudo o que isso suscita na nossa memória e emoção. Mas no cinema, vira um exercício de concentração, atenção, foco. Se alguma coisa eu poderia apontar ao documentário, é isso. A vontade e a capacidade de nos falar tantas coisas profundas, importantes sem nos dar tempo de respirar. De dar tempo ao nosso cérebro de contemplar tudo o que nos é trazido. Por que as relações de pensamento que o documentário estimula, são constantes e muito inquietantes. Diferentes. E quanto você “viaja” para identificar o que isso tem de ver com a sua vida passada ou presente, recebe de novo uma golfada de relações de pensamento novas e de novo complexas. É uma “estimulação” mental, cerebral, cognitiva, intensa. Algo cada vez mais raro. E que precisamos manter nas conversas com amigos, família, pessoas em geral. E assustadoramente está a desaparecer.
Muito interessantes os pontos de vista apontados, as relações de pensamento, os depoimentos. Lindíssimos momentos de dança. Algumas ingenuidades nas imagens escolhidas, nomeadamente as da natureza, o que me fez achar o documentário ainda mais humano. Por não ser intocável e perfeito, entendem? As pessoas e o mundo se apresentam cada vez mais imaculados exteriormente e vazios por dentro. É preciso ocupar o interior com conteúdo. Pela sua saúde, principalmente a mental.
“A alma empurra o corpo para fora do seu habitat”, “A desobediência transforma macacos em humanos”, são algumas das frases e dos estímulos que vai experimentar. Um dos mais instigantes poderá ser mesmo o do “Mártir, uma pessoa que se sacrifica por uma crença, por uma fé, ou por outra pessoa”. Quem se sacrifica agora por coisas que acredita que são boas para si e para os outros? Boas, saudáveis, verdadeiras, honestas, justas? Muito poucos. E os que o fazem, têm um caminho de treva esperando por eles. Precisamos de deixar de olhar para o lado e de “deixar andar”. Urgentemente. Agora. Este documentário pode ajudar nisso. Vá...dê o passo.
Se um dia puder ler o livro, ver a peça, mas principalmente ver o documentário e/ou o seriado de 5 episódios, não perca.
Ana Santos, professora, jornalista
Informações sobre o filme
https://canalcurta.tv.br/series/serie.aspx?serieId=571
Espaço Itaú de Cinema - Glauber Rocha