“Quando a morte chegar”
“Quando a morte chegar
como um urso faminto no outono;
Quando a morte chegar e tirar da carteira todas as moedas brilhantes
para me comprar, e em seguida lacra-la;
quando a morte chegar
como um sarampo-varicela
quando a morte chegar
como um iceberg entre as omoplatas,
quero atravessar o portal cheia de curiosidade, me perguntando:
como será essa cabana das trevas?
Por isso enxergo tudo como uma confraternização,
e vejo o tempo como não mais do que uma ideia,
e considero a eternidade como outra possibilidade,
e penso em cada vida como uma flor, tão comum
e singular quanto uma margarida do campo,
e cada nome como uma confortável canção entre os lábios,
tendendo, como fazem todas as canções, ao silêncio,
e cada corpo, a coragem de um leão, e algo
precioso para a terra.
Quando isso acabar, pretendo dizer que por toda minha vida
fui uma noiva do assombro.
Eu fui a noiva, tomando o mundo entre meus braços.
Quando isso acabar, não quero me perguntar
se fiz de minha vida algo especial, e real.
Não quero me ver suspirando e assustada,
ou cheia de argumentação.
Eu não quero terminar tendo simplesmente visitado este mundo.”
Mary Oliver
Trad.: Nelson Santander
“POEMA DOS OLHOS DA AMADA”
“Ó minha amada
Que olhos os teus
São cais noturnos
Cheios de adeus
São docas mansas
Trilhando luzes
Que brilham longe
Longe nos breus...
Ó minha amada
Que olhos os teus
Quanto mistério
Nos olhos teus
Quantos saveiros
Quantos navios
Quantos naufrágios
Nos olhos teus...
Ó minha amada
Que olhos os teus
Se Deus houvera
Fizera-os Deus
Pois não os fizera
Quem não soubera
Que há muitas eras
Nos olhos teus.
Ah, minha amada
De olhos ateus
Cria a esperança
Nos olhos meus
De verem um dia
O olhar mendigo
Da poesia
Nos olhos teus.”
Vinicius de Moraes
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